Atores de teatro de rua do país - uní-vos!
Nada tendes a perder, mas sim a ganhar com a possibilidade de construir uma
nova cidade. Uma cidade em que o seu zum-zum-zum possa fazer parte da
sonoridade do espetáculo. Que os olhares desatentos possam focar na cena
que ora se desenrola. Uma cidade em que o teatro de rua contribua para a
geração de gentileza (com licença, por favor, deixa eu ver também. Obrigado,
foi lindo, não?). De ironia (que diabo é isso???!!!). De incomodo (nunca havia
pensado nisso!!?? Que coisa!).
Uní-vos para criar um teatro de rua que seja capaz de dialogar com a cidade,
com as pessoas e tenha algo de “surpreendente” e mágico que consiga
prender a atenção dos transeuntes.
Usem seus corpos e suas vozes para construir estéticas em espaços abertos,
que contem histórias e consigam imbuir nos “espec-atores” a capacidade
concreta de transformação e de construção desses espaços, onde os
indivíduos são argamassa para um novo pensamento, uma nova atitude, uma
nova cidade.
Invadam as cidades! Suas ruas, praças, seus parques, sem autorizações
oficiais, para manifestarem livremente seus pensamentos, suas artes e
exporem as suas almas carregadas por corpos que se deslocam sem sair do
lugar.
Dêem continuidade ao verdadeiro teatro de rua, essa manifestação antiga da
cultura popular que traz na bagagem séculos de histórias e influências que vão
dos folguedos do Nordeste às máscaras dos espetáculos medievais e chega à
contemporaneidade com transfigurações pertinentes à atualidade.
Façam verdadeiras feiras de inusitados resultados cênicos que provoquem no
público reações de um estupefato encantamento.
Utilizem os prédios, os monumentos, as casas (históricas ou não), percorram
as avenidas, ruas, vias e vielas para criar e ver figuras como se anamórficas,
mas que ganham vida real em perspectivas concretas sob olhares do público.
Permitam (atores do teatro de rua do país) que qualquer coisa e qualquer um
interfiram e passem a fazer parte dos vossos espetáculos, como se fosse uma
esponja que absorve tudo para o bem da cena que é de todos.
Utilizem e multipliquem as diversas linguagens artísticas nessa cena que, como
se fosse uma Babel com tradução simultânea, escuta, entende e fala todas as
línguas, inclusive a do boi.
Modifiquem a arquitetura dos prédios, das ruas e das pessoas, transformando
posturas antes “tronchas” em construções afetivas e humanas e os seres em
vivos e críticos citadinos com capacidade de modificarem a corrente maluca do
ruge-ruge das cidades.
Ponham desordem na ordem, subvertam. Espalhem pelas cidades uma
desordem criativa, pois pode ser que tenhamos aí um início do princípio de
justiça.
Recebam as cidades como se fossem dramatúrgicas (e são); leiam os textos
que se apresentam em formas concretas, retilíneas ou curvas, que tenham as
vozes e os barulhos da urbe e tenham, vocês, pretextos para fazerem algo que
deleite e faça pensar quem por ali passar.
Façam caretas, dêem pulos no ar, cambalhotas, bunda canástica1, carreguem
estandartes, tochas de fogo, façam silêncio e abram um enorme sorriso para
anunciar a cena do casamento ou fique circunspecto para a cena final: a morte.
Uní-vos, ó fazedores de teatro de rua: Espalha-Fatos, Tá na Rua, Galpão,
Imbuaça, Povo da Rua, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, Pombas
Urbanas, Brava Companhia, Teatro que Roda, Cia do Miolo, Trupe Caba de
Chegar, Teatro de Caretas, Off-Sina, ERRO, Vento Forte e tantos outros que
formam uma verdadeira rede que balança mas não deixa ninguém cochilar,
senão chega a Tribo de Atuadores e diz em alto e bom som Ói Nóis Aqui
Traveiz!!!
Parem a cidade e encenem a ficção real com tudo que tem direito: com público
que pode falar ao celular, que pode comer (quando podem), que podem chegar
e sair a qualquer hora sem serem incomodados, mas sem “perturbar” o
ambiente e/ou as pessoas.
Falam que querem acabar contigo, isso eu não vou deixar, e aqui quase que
convoco vocês: ó Teatreiros de Rua! Vocês que são símbolos de resistência
artística, comunicadores e geradores de sentidos, que são propositores de
novas razões, novos afetos, novas descobertas quando usam os espaços
públicos abertos; convoco: não deixem a música, que anima a cena, morrer,
não deixem o teatro parar...
Convoco, também, todas as praças: Praça Roosevelt, Largo do Arouche, Praça
da República, Praça da Bandeira, Praça da Sé em São Paulo ou no Crato-
Ceará, José de Alencar, Praça do Ferreira, Praça da Gentilândia e a de quem é
de Benfica em Fortaleza, Largo da Carioca, Praça Onze, Praça Nossa Senhora
da Paz, Praça da Apoteose que é do Rio de Janeiro, Praça Itália, Praça da
Matriz, Praça da Alfândega lá no sul em Porto Alegre, Praça Siqueira Campos,
Praça do Pescador lá no norte em Belém, Praça dos Três poderes, Praça dos
Bombeiros em Floripa, Praça Cívica, Praça das Mães, Praça do Avião prá voar
e se apresentar lá em Goiânia... Pois então senhoras praças, ruas, senhores
parques; vamos prenhá-los de alegria, arte e cores. Permitam ser invadidas,
penetradas, praças do cu do mundo desse país grande de arte e graça.
1 Gíria nordestina para uma brincadeira de criança. Uma cambalhota sem uso das mãos.
Não há risco, a segurança é por conta de todos que querem fazer e participar
da arte do teatro de rua. O risco é seu ator de/da rua. Não há rede a esperar o
teu salto mortal.
Vamos atores de teatro de rua! Vamos à surpresa que é o teatro, não sabeis o
que irá acontecer. Aqui ninguém paga prá ver, a não ser quando se rola o
chapéu e a espontaneidade de quem deposita um trocado é a mesma de
quem, naturalmente, vai interferir na cena, e é isso que é bom, pois se entabula
uma conversa e o público fala sobre o que vê/viu.
Vamos atores de teatro de rua, vamos sair e atuar em campos abertos em
oposição a locais fechados, às vezes minados com suas programações
claustrofóbicas, mas que nunca fiquemos agorafóbicos.
Vamos, vamos criar novas arquiteturas que permitam o surgimento de novas
maneiras de conviver, de interagir, de organizar-se e desorganizar-se, de
pensar uma área desterritorializada, livre para o fazer artístico, a praça é do
povo e as ruas também. Sejam arquitetos de uma cidade criativa.
Dramaturgos, escritores, pesquisadores da arte do teatro, debrucem-se sobre o
fenômeno do teatro de rua, levando em consideração, sempre, os que estão na
rua ou os que moram nela. Façam registro literário, iconográfico, oral e deixem
para os admiradores e pesquisadores essa história do teatro que vai aonde o
povo está.
Vão atores de teatro de rua, com seus figurinos de cores vivas, ou cores
fechadas como semáforos que teimam em não abrir para o fluxo natural de um
cortejo, ou cor nenhuma, mas que tenham todo o vigor para rasgar e expor as
matizes de cidades que têm uma crônica cotidiana cinzenta nesses dias atuais
e que, às vezes, muitos dos seus habitantes riem feito hienas.
Façam, façam, façam teatro de rua, na rua, em qualquer lugar onde houver
pessoas que querem saber sobre as coisas dos homens, das mulheres, da
história, enfim, um teatro que fale da alma humana e suas conquistas, derrotas,
sonhos, realizações; um teatro que dê um tapa na cara ou um soco no
estômago, mas que também possa acariciar o cangote e falar baixinho no
ouvido ou soltar um grito estrondeante que anuncia o espetáculo vai começar!
É isso. Agora, com licença de todos, convoco-me inteiramente e com a força da
rua, para ir à praça e ver o Grupo Nois de Teatro encenando o “Sertão.Doc”.
Merda!
Fernando Piancó
Ator, diretor, produtor.
Aluno da Escola Pública de Teatro
Fortaleza, 16 de dezembro de 2011
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