quinta-feira, 8 de março de 2012

Abecedário da Música Plural

Por Flávio Paiva


Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.3
Quinta-feira, 8 de Março de 2012 - Fortaleza, Ceará, Brasil 





A diversificação dos canais e das formas de ouvir música revela cada vez mais a riqueza da Música Plural Brasileira. Fiz um rápido exercício do que tenho ouvido ultimamente e fiquei satisfeito com o som que vi presente na trilha do meu cotidiano. Não é ranking, apenas um abecedário despretensioso de raízes e antenas. Teimei em manter apenas um artista ou grupo musical por cada letra do alfabeto e isso dificultou a preparação da relação, mas assobiando e cantarolando consegui fechar os vinte e seis nomes que seguem:

(A) Anelis Assumpção (SP) – Dá gosto ouvir as combinações que, enquanto compositora e cantora, Anelis faz na extensão que vai do samba ao afrobeat, envolvendo ícones da cena paulistana, como o trombone de Bocato e a bateria e percussão de Simone Soul no CD "Sou Suspeita Estou Sujeita Não Sou Santa” (2011).

(B) Bia Drummond (CE) – Um dos destaques do II Festival de Música da Rádio Universitária 2011, Bia surpreendeu pela qualidade de composição e interpretação, tanto nas categorias música com letra, com a valsinha “Soluçando de saudade”, como em música instrumental, com o lindo piano de “Sob a luz do luar”.

(C) Criolo (SP) – Filho de cearenses, pai metalúrgico e mãe poeta, e nascido na periferia de São Paulo, Criolo é a maior novidade no mundo do rap brasileiro, com o CD “Nó na orelha” (2011). Numa entrevista a Marília Gabriela (SBT, 18/01/2012), disse que fazer rap é como jogar bola: basta amassar uma latinha, um papel, e sair jogando, porque o rap é a voz da pessoa como ela é, como pensa e se manifesta. Como poeta livre, seu trabalho vai do samba ao bolero.

(D) Dalai (SP) – Com pop-rock poético e experimental a banda de Lucas Espíndola e Rodolfo Rodrigues, também tocada por Gabriel Altério, acaba de lançar treze musicas em um agradável CD, produzido por Luiz Waack. Eles cantam bem, tocam bem, são bons letristas e abrem o disco em clima de "Because", dos Beatles.

(E) Edvaldo Santana (SP) – O melhor CD brasileiro de 2011 é o “Jataí”, desse sempre surpreendente bluseiro-cabra-da-peste, de São Miguel Paulista, filho de pai piauiense com mãe pernambucana. A música de Edvaldo é essencialmente humana, com levadas nervosas, letras fortes e um certo otimismo sobrevivente.

(F) Fulô de Araçá (CE) – Bárbara Sena, Brenna Freire, Clarissa Brasil, Cris Soares, Lídia Maria e Marília Magalhães, são as meninas desta banda, que tem nome de música de Dominguinhos e Guadalupe, que, com seu instrumental leve e faceiro anima Fortaleza com choro, samba e canção.

(G) Graveola (MG) – A viagem desse grupo passa por um mundo que precisa de um liquidificador para catalisar o espírito de coletividade. Da cena belo-horizontina, um cachorro que "só fica pensando no latido do outro" ("O cão e a ciência") espalha um nietzscheriano humor pelo instante.

(H) Harmada (RJ) – A banda que reúne músicos cariocas independentes e que tem seu enredo voltado para o drama melancólico dos "Corações Surdos", inventa desculpas para mudar, na cidade que não quer ninguém cansado.

(I) Isca de Polícia (SP) – Itamar Assumpção (1949 - 2003) tinha tanta consistência e intensidade que seu desacato à mesmice segue com a sua banda nos palcos nas vozes de Vange Milliet e Suzana Salles, guitarras de Luiz Chagas e Jean Trad, batera de Marco da Costa, baixo, direção artística e musical de Paulo Lepetit.

(J) Jardim das Horas (CE) – Quarteto cearense, radicado em São Paulo, "O Jardim das Horas" é formado pela cantora Laya Lopes e pelos músicos Beto Gibbs, Carlos Gadelha e Raphael Haluli. Move-se na coexistência do eletrônico com o acústico, em tempos lentos e deleitosa sonoridade.

(K) Karina Buhr (PE) – Embora tendo nascido baiana e atue na cena paulistana, Karina é pernambucana de sotaque. Com os CDs "Eu menti pra você" (2010) e "Longe de onde" (2011) ela, que "tem algum problema com amor demais", vem reforçando sua inquietude musical nas minhas preferências.

(L) Lirinha (PE) – Ex-Cordel do Fogo Encantado, Lirinha segue carreira solo distribuindo pérolas como "Ah se não fosse o amor", na qual perde o senso do quanto o mar desconfia do sumiço de sua ilha.

(M) Marina Wisnik (SP) – Suave, bonito e com canções simples de felizes, eis o trabalho de estréia de Marina Wisnik. "Na rua agora" (2012), com participação de Marcelo Jeneci e Thiago Pethit, tem o frescor dos jardins aquáticos, botânicos, de infância e de inverno, como diz uma de suas letras, em parceria com a atriz Bruna Lessa.

(N) Ná Ozzetti (SP) – "Meu quintal / Tem um rio / Que inda dá / Pra navegar", conta Ná, em parceria com Luiz Tatit, na faixa título do "Meu Quintal" (2011), álbum que comemora os trinta anos de carreira dessa diva brasileira.

(O) Ortinho (PE) – O disco mais recente que vem do lado da estrada onde a vista não alcança, traz a figura do sujeito que fica preso do lado de fora de um amor. É o existencialista "Herói trancado" (2010) do ex-integrante da banda Querosene Jacaré.

(P) Porcas Borboletas (MG) – Na trama de sonoridades vadias com ironia casual a banda adianta o seu recado em "Pessoa Linda": "Honre os seus compromissos / nunca assine uma nota promissória sem antes rasgá-la".

(Q) Quatro a Zero (SP) – O grupo paulista tem como marca a produção coletiva de arranjos e a alcovitagem das modulações e improvisações do choro com outras linguagens musicais.

(R) Rebeca Matta (BA) – A compositora e cantora baiana gravou no final do ano passado, em Salvador, o sensorial e psicodélico DVD e CD "À Flor da Pele", tendo como convidados a dupla Dois em Um, o guitarrista Peu Sousa, o compositor Ronei Jorge e o violonista Mario Ulloa. Néctar de "Rosa Sônica".

(S) Siba (PE) – Armado de guitarra, Siba (ex-Mestre Ambrósio) está lançando o CD "Avante" (2012), para o qual contou com a produção de Fernando Catatau. "Não vejo nada que não tenha desabado / Nem mesmo entendo como estou de pé", ataca em "Preparando o salto"... e vai que vai, montado em maracatu e rock.

(T) Titane (MG) – Nunca passo muito tempo longe da voz de Titane; faz bem a tudo. A cantora mineira está na estrada cantando Elomar, em recital com acompanhamento do violão de Hudson Lacerda. "Clariô, ai ai, clariô"...

(U) Ubiratan Sousa (MA) – Bois, toadas e acalantos de Ubiratan Sousa deixam a gente perto da mais que rica música popular maranhense. São sons que desfiam em cores e pintam a nossa alma de brasilidade.

(V) Vitoriano (CE) – Destaque na cena do rock cearense, Vitoriano, ex-Alegoria da Caverna, plantou sementes no asfalto quente e saiu de "melancolia" para voo solo, cantando "um enxame de desocupados se aglomera a meu lado para aplaudir a minha solidão".

(W) Wado (SC) – Radicado em Maceió, o catarinense Wado é um rap-samba-roker bem focado na estética da periferia e ligado no latifúndio das ondas eletromagnéticas: "É contra o artista mudo / É contra o ouvinte surdo".

(X) Xico Bizerra (CE) – Dos forroboxotes e baiões desse cratense, destaco a parceria dele com Roberto Cruz: "Água de beber / Água de banhar / Água de chover / Água de aguar / Água bem limpinha / Água tão quentinha / Água lá de cima / Água de quartinha"... Quem bebeu sabe o que é isso.

(Y) Yamandú Costa (RS) – Ele transita do choro ao tango com impressionante desenvoltura. Gravou seu CD "Mafuá" na Alemanha e no ano passado (2011), quatro anos depois, o disco foi lançado no Brasil.

(Z) Zefinha (CE) – Mais do que uma banda, a Dona Zefinha é uma companhia cenomusical, que tem uma espetacular experiência de palhaçaria, graciosamente registrada no CD "O circo sem teto da lona furada dos Bufões" (2011), produzido por André Magalhães.

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