O COMPOSITOR e escritor Eugênio Leandro
passeia por 35 anos de música em Fortaleza. Fala de sua trajetória e dá
conta de diferentes momentos da cidade.
Passo a atuar a partir de 1978, quando chego de Limoeiro. Encontrei
uma Fortaleza luminosa, em plena efervescência do movimento estudantil,
sindicatos, grupos como Nação Cariri, Siriará, Grito, o Pessoal do
Ceará já pelo Brasil, a Massafeira a acontecer, a Concha Acústica da
UFC, a chegada da Universitária FM, visitantes como Darcy Ribeiro,
Prestes, Lula...
Fiquei mais na Literatura, até
participar do Festival Universitário da Canção, em 1979, em parceria
com o poeta e jornalista Rogaciano Leite Filho. Acabamos em 4º lugar e
senti firmeza de buscar espaço, pois estava a conviver com os
principais da hora, como Cláudio Costa, Lúcia Arruda, Luis Sérgio,
Cassundé, Stélio Vale, Casaverde, Caio e Graco... Dos bares para os
atos públicos, fazíamos a nossa jornada, a abrir brecha com os amigos
Dilson Pinheiro, Parahyba, Carne Seca, Amaro Pena, Pingo, Ronaldo Lopes
e tantos mais. Sequer pensávamos em disco, e estar junto à geração
anterior, do Calé, Chico Pio, os Fonteles, já era bom passo.
Percebíamos
que o mote era conseguir gravadora e não se falava em independente.
Exceções foram o compacto do Bernardo Neto, de 1978; os LPs do Quinteto
Agreste; o Nordestinados, do César Barreto e Marcos Accioly, lançado
pela UFPE, além da repercussão do Feito em Casa, de Antonio Adolfo, no
Rio, que indicavam existir vida musical fora do esquema das gravadoras.
E partimos para gravar em Natal, eu e Dilson Pinheiro, o compacto,
logo esgotado. Encorajado, levei ao movimento estudantil a ideia do LP
Além das Frentes, quando falaram do Encontro Nacional de Estudantes de
Medicina, que seria em Fortaleza, 1986. Em seu Centro Acadêmico, gestão
de Odorico Monteiro, que conhecia nossa música. Encampado o projeto,
possibilitou expressiva tiragem inicial, com metade distribuída aos
estudantes do encontro. No Catavento, de 1990, deu-se o mesmo, desta
vez com o C.A. da Agronomia, Camilo Santana na presidência. A Cor Mais
Bonita, de 1996, já em CD, em outro cenário, sem substancial apoio,
quase fica pelas areias do Jaguaribe, até surgir a Hidracor.
Enquanto
isso, achegava-se nova gente como Kátia Freitas, Edmar Gonçalves, Apá
Silvino, Marcos Brito, Isaac Cândido, Davi Duarte, Paulo Façanha e
tantos muitos, que fortificam o movimento, sempre a partir do coletivo,
como vemos novamente, pelos anos 2000, nos ajuntamentos do Música
Plural, Feira da Música, Bora Ceará Autoral, pessoal do instrumental, e
tantos grupos que garantem a criatividade.
Em 1999, chega a
fábrica de discos CD+, numa articulação do Flávio Paiva e da Mona
Gadêlha, com o músico e empresário Cláudio Lucci, e a gente pode fazer o
CD em casa. No início dos anos 2000 a net chega de vez e a música
virtual vira festa. Reduz-se a produção de discos, fecham-se alguns
espaços como The Wall, Caros Amigos, Domínio Público, Seis e Meia do
TJA, o que deixa os músicos de sobreaviso, com menos visitas de shows,
inclusive dos caririenses – preocupante, já que eles, com net ou sem
editais, nunca param. Nessas horas, como bons cearenses, impera com
maior força o clima gregário, do coletivo, combustível para a criação,
que encoraja a novas investidas, o que se viu com música na rua, muitos
grupos percussivos, outros no bar ou em casa, como Clube do Gato,
Clube do Bode, quintal do Sardinha, agora, Cantinho do Frango,
Confraria... Nessa fase, temos ainda boa resposta do público ao
louvável instrumental. Segurou a onda, com choro, blues e jazz bem
misturados às nossas coisas; digno do mundo. Ganhos idem para a música
de orquestra, na reformulação da ORCEC (Orquestra de Câmara Eleazar de
Carvalho), com Artur Barbosa, novo maestro há um ano, e no surgimento
de boas surpresas, como a Sinfônica da UECE, com Alfredo Barros,
Quarteto Cearense, Sax em Cena, os sopros de Pindoretama, dentre
outros.
Surge o Bora, que junta armas digitais ao tempo do
mimeógrafo, em produções caseiras do CD. No momento, mais maduro, apesar
de mais desarticulado, na paciência de um dos mentores, Alan Mendonça,
assistimos voos individuais, com canções já liberadas para downloads,
como é o caso da Lorena Nunes, Davi Silvino, Marcos Lessa, Joyce
Custódio, Felipe de Paula, Fulô da Aurora, Lídia Maria, além do recente
CD do Caio Castelo que seria considerado um dos discos do ano, caso
houvesse maior mimo com a arte por aqui.
Gosto do que vejo na
movimentação dos novos, com bons artistas e boa arte, o que garante a
moral da tropa, a criar por cima de pau e pedra, seja no
experimentalismo do Hardy, no cancionismo de Tom Drummond, do Richell
Martins, Argonautas, Dona Zefinha, Renegados, ultradiferentes e
parecidos.
Se antes contávamos com certa guarda de Cláudio
Pereira, Augusto Pontes, vejo seguir essa boa energia por pessoas que,
até a certa distância, norteiam a movimentação, como Nelson Augusto,
Flávio Paiva, Moacir Maia; Izaíra Silvino, Catatau, que, em suas
mensagens sonoras, convida a correr trecho pelo País, sair um pouco do
virtual, como essa boa volta do Vitoriano a São Paulo, junto a Andreia
Dias, por exemplo.
Se Fortaleza nos acolheu e fez reverberar
nossas canções, hoje, mesmo com reduzidos palcos, conta-se com as redes
virtuais e com uma maior compreensão do que significa mesmo o sucesso.
O
mais, é me solidarizar, aberto às novas movimentações, dizendo que
somos muitos, no perdão de não citar todos (as), pelo espaço e por não
dar conta de tanta novidade. O momento aguarda atitudes públicas e
privadas de arrojo, que melhor aproveitem o que se cria, que façam a
diferença e resistam ao tempo.
Eugênio Leandro é compositor e escritor
O ORIGINAL
O AZUL E O ENCARNADO
EDNARDO
Gustavo
Portela posa no jogo dialético proposto por Ednardo em seu terceiro
disco, de 1977. O projeto gráfico assinado por Fausto Nilo e Maxim - com
capa tripla e um encarte - foi recusado pela gravadora e Ednardo
bancou a ideia, custeando a tiragem inicial.
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