quarta-feira, 4 de abril de 2012

O triste dia que demorou 21 anos para acabar



Gilvan Dockhorn

No primeiro dia de abril de 1964, o popular dia dos bobos deu outras caras ao Brasil, país que inaugurou uma série de golpes de Estado que se tornaram comuns na América Latina nos anos subseqüentes.

O golpe civil-militar de 1964 seguia a lógica de autoritarismo, violência e repressão que caracterizou as relações político sociais do país desde sua época colonial. Na política, a exceção foi função de normalização. Ao longo da metade final do século XX tornaram-se aceitáveis medidas salvacionistas para “evitar custos maiores”. Mais do que a saída de uma crise conjuntural, a coalizão golpista de 64 afirmava-se portadora de um projeto histórico que, embora não sendo a única expressão do bloco dominante, foi endossado pelo conjunto das frações deste.

Esse projeto propunha a transformação da sociedade com uma reestruturação interna e reinserção no sistema econômico mundial. O procedimento político para tal foi o controle do dissenso garantindo previsibilidade política, algo que o regime democrático não possibilitava, a não ser com manipulações ou fraudes.

O processo que levou à deposição de João Goulart (depois da frustrada tentativa em 1961) teve êxito em razão da ampla coalizão formada, a qual reuniu segmentos de praticamente todos os setores sociais, do arcaico ao moderno, do conservador ao progressista. A dimensão da onda repressiva nos primeiros momentos do regime aponta que não houve esterilização dos enfrentamentos ou paralisia da sociedade. A repressão através do terrorismo de Estado foi sendo aprimorada ao longo do tempo, afinal, historicamente a relação do Estado com setores menos privilegiados esteve entre o tributo e a violência. Se falta saúde, educação, acesso à cultura, desporto, habitação, sobram degredo, tarifas e cadeia, algo que remonta ao século XVI.

Nos anos 60, a elite brasileira era um verdadeiro mosaico de velhos e novos ricos, camadas médias decadentes e emergentes, progressistas, fascistas e conservadores, que comungava da convicção de que as estruturas do Estado existiam para servi-los. Por isso a reunião em torno do inimigo comum foi facilitada na medida em que percebiam que suas benesses estariam em risco.

Tamanha convergência de interesses, com setores, correntes e frações tão díspares, foi a força necessária no acolhimento do regime autoritário. O colapso das estruturas e instituições do Estado e o desejo de previsibilidade política (estabilidade) levaram segmentos com interesses distintos a encampar ou a anuir o golpe e as primeiras ações dos golpistas no poder.

Senhores a serviço de Deus, senhoras a serviço do lar, senhores de terno, senhores de botas, chapéu e rebenque, senhores democratas, senhores conservadores, senhores das letras, senhores dos lotes, senhores da informação, senhores de farda, senhores do espetáculo, senhoras de rosário em punho, castos, celibatos, devassos e profanos, enfim, o golpe de 1964 somente foi possível na medida em que agregou uma série de interesses imediatos. Grande parte da sociedade desejou, acolheu ou se mostrou indiferente à intervenção.

Ao se rememorar os tristes idos de março/abril de 1964, endossamos a luta para que nos reencontremos com a memória e com a justiça pois a Lei da Anistia (aprovada em agosto de 1979) se revelou um instituto de apaziguamento, de clemência e de esquecimento, ratificando em lei os termos da conciliação nacional em troca da verdade, da História e da justiça.





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Gilvan Veiga Dockhorn
Secretário Geral CNC
Cineclube Abelin nas Nuvens - Silveira Martins/RS