terça-feira, 25 de novembro de 2014
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
Arte e Cultura na Reforma Agrária: uma experiência de Educação Musical em Assentamentos
Iranilson de Sousa Carneiro
Universidade Federal do Ceará – UFC
Ensino de música e formação humana em
assentamentos
No período de 20 de Setembro a 06 de Outubro de 2010, integrantes de um
grupo musical[1]
embarcaram numa viagem ao sertão nordestino, visitando quatro assentamentos no
interior de um dos estados desta região. Munido de equipamentos de som e
instrumentos musicais diversos, além de textos e material audiovisual, tais
integrantes passaram por cada uma das quatro comunidades durante quatro dias. As turmas, formadas por adolescentes e jovens
moradores das comunidades assentadas, participaram de uma vivência em iniciação
musical com as estratégias e metodologias desenvolvidas pelos professores, onde
tiveram contato com um repertório de saberes e fazeres musicais, englobando
instrumentos musicais e aspectos estruturais da música.
O grupo musical convidado, que desenvolve um
trabalho criativo unindo música, teatro e outras invenções a partir dos elementos
da cultura popular e conectados com a contemporaneidade, aceitou o convite de
ir ensinar conhecimentos iniciais em música nesses assentamentos da Reforma
Agrária. A proposta veio de um Instituto brasileiro, em parceria com uma
empresa de serviços de apoio a pequenas empresas.
Acredita-se que esse convite tenha surgido em
conseqüência do trabalho criativo e significativo que o referido grupo musical desenvolve há mais de dez anos na área
artística e também pedagógica. Composto por seis homens e uma mulher, a maioria
com formação em pedagogia, o grupo possui vasta experiência em música, teatro,
dentre outras aptidões adquiridas por meio de participações em festivais,
congressos, cursos, minicursos, bem como criação e elaboração de espetáculos,
intercâmbio e produções culturais, atividades consideradas de enorme relevância
para o crescimento da cultura nacional e para a
formação humana.
Aprofundar vivências em educação musical é algo essencial para a formação
das pessoas, no sentido de sua educação estética, que tende a proporcionar o
aperfeiçoamento da sensibilidade e da percepção destas.
Para Larrosa (2002, pág. 25), “a experiência é em primeiro lugar um
encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova”. Sendo
pessoas comprometidas com a arte e a educação, os integrantes do grupo em foco buscam
sempre um envolver-se contínuo de produção e difusão de ações
artístico-pedagógicas, valorizando a formação humana, a ética e a cidadania
pela experiência, por tudo o que experimentaram e que permaneceu em cada um deles.
A aceitação da proposta de irem ensinar música nos assentamentos se deu
de forma coletiva, onde foram avaliados os fatores positivos que os motivaram a
embarcar nessa empreitada, tais como: as experiências em conhecer essas
comunidades de assentamentos, de como elas vivem; as vivências no ato de educar
fora de uma instituição formal de ensino; e o aprendizado que tanto os
arte-educadores como os alunos iriam ter. Assim, mergulharam nessa vivência
pedagógica a partir da educação musical.
É de importância certa trazer aqui uma definição do que seja educação musical.
Segundo Arroyo (2008, p. 18), o termo educação musical nos dias de hoje:
[...]
abrange muito mais do que a Educação Musical formal, isto é, é educação musical
aquela introdução ao estudo formal da música e todo o processo acadêmico que o
segue, incluindo a graduação e pós-graduação; é educação musical o ensino e
aprendizagem instrumental e outros focos; é educação musical o ensino e aprendizagem
informal de música.
Partindo dessa definição, entende-se que as práticas pedagógicas que
foram vivenciadas nestes assentamentos foram uma experiência de educação musical,
onde se buscou transmitir os conteúdos básicos no intuito de ensinar às
crianças e jovens desses assentamentos as primeiras noções de música.
As configurações de divisão de tarefas foram definidas antes dos arte-educadores
chegarem aos assentamentos. O vocalista do grupo
assumiu a coordenação pedagógica, a única mulher no grupo assumiu a
função de secretária e os outros cinco componentes ficaram
com a função de professores.
Cabe aqui dizer quais os instrumentos que foram
tocados, estudados e ensinados. No grupo há a
presença de percussão, bateria, contrabaixo, violão, trompete, violino, etc. Foram
consideradas também as aptidões de um dos membros do grupo que trabalha com
construção de instrumentos. Criaram-se então cinco minicursos, que chamamos de
Grupos de trabalho – GT. Como parte da metodologia, os conteúdos foram
divididos de acordo com a especialidade de cada um.
Os minicursos ou GT foram: Iniciação a percussão brasileira; Introdução a
harmonia: prática de violão e contrabaixo; Construção, elaboração e iniciação
ao pífano; Iniciação à leitura melódica utilizando a flauta doce; e Estudos básicos
de bateria, tendo como prioridade de conteúdo as necessidades locais de cada
assentamento.
O ensino desses instrumentos, assim como todos os outros instrumentos
musicais, acontece atualmente em algumas instituições de ensino como atividade
extracurricular, ou por meio de iniciativas como esta aqui relatada, mesmo com
a existência da Lei 9.769/08, que torna obrigatório o ensino de música nas
escolas da Educação Básica (lei sancionada pelo governo de Luis Inácio Lula da
Silva). São iniciativas pontuais, mas que são importantes para o fortalecimento
e acontecimento da educação musical em todo o país.
Uma das intenções, também, tendo em vista que os arte-educadores sabiam
da existência da Lei 9.769/08, foi a de divulgá-la, já que a mesma trata sobre
essa prática de ensino importante para a formação humana, na intenção de que as
crianças e jovens destas comunidades assentadas possam conhecer a existência da
obrigatoriedade da educação musical em escolas da Educação Básica e dessa forma
possam construir sua identidade, para, um dia, serem multiplicadores do fazer
artístico, da prática da educação musical.
Para Santos (2011, pág. 224), “a música é um dos caminhos de produção de
identidades culturais. As pessoas se agrupam socialmente através das práticas
musicais”. Esta pode ser considerada uma das metas do projeto, de não apenas
ensinar música por ensinar, mas também incentivar a valorização de si, da
construção coletiva de uma identidade por meio de uma prática de ensino que é
ao mesmo tempo arte e cultura.
Por outro lado, é necessário que se diga que estas comunidades são muito
mais carentes de necessidades básicas que outros grupos sociais, como os que
habitam as zonas urbanas das cidades. Alguns destes assentamentos estão
embrenhados no mais quente sertão do interior do Nordeste brasileiro, sofrendo
com falta de água, saneamento básico, alimentação, moradia, saúde e também
educação. Contudo, pelo viés da arte e da cultura, essas comunidades podem
descobrir novas possibilidades de enfrentamento dessas dificuldades, pois
A
arte também pode contribuir no desenvolvimento sócio-econômico dos
assentamentos, assim como na elevação da qualidade de vida das comunidades
assentadas, à medida que funcione como força mobilizadora e integradora da
comunidade, criando vínculos e construindo identidades (BARROSO, 2005, PÁG.
64).
Ações como esta, de levar um pouco de arte e cultura para as comunidades
assentadas, são de fundamental importância para que elas possam conhecer e se
apropriar mais dos elementos culturais de seu país, e para que possam vivenciar
as práticas educativas que estão sendo produzidas em seu estado, em sua região.
Aproximá-las do mundo contemporâneo transmitindo um conhecimento que
favoreça o acontecimento das expressões e manifestações artístico-culturais de
grupos sociais assentados, por meio da educação musical, é o que se pode enfatizar
sobre a importância deste projeto de arte e cultura em assentamentos. Estas
iniciativas devem ser valorizadas e estimuladas pelos órgãos educacionais,
visando uma ampliação de práticas musicais envolvendo ensino e aprendizagem.
Relatos
de uma experiência significativa
Neste tópico, apresenta-se uma descrição
de como foram realizadas as atividades nos quatro assentamentos por onde o
projeto passou. Antes disso, o grupo se reuniu em planejamento, dois dias antes
da viagem para definir algumas questões importantes que facilitariam o
trabalho. O coordenador pedagógico que também é líder do grupo sugeriu que fosse
feito, nos quatro assentamentos, dois momentos que tornariam o trabalho mais
prático: a chegança e a culminância.
Na chegança aconteceram as plenárias de
apresentação do projeto, exposição de pensamentos, críticas e idéias a partir de
dinâmicas e jogos coletivos; relatos de experiências, dicas, informes, instruções;
participação dos alunos e membros da comunidade. Já na Culminância ocorreram as
plenárias de conclusão das atividades, apresentação de exercícios musicais, avaliação
e desfecho, bem como a participação dos alunos e membros da comunidade.
Outra
sugestão do coordenador pedagógico foi que durante as noites, fossem feitos
ensaios abertos das músicas autorais, convidando a comunidade e os alunos para
assistir, com o objetivo de aproximá-los dos processos de criação do grupo.
Esta ideia foi desenvolvida dentro do campo da didática, onde puderam ser
produzidas as músicas aproveitando o momento livre da noite, além de ter proporcionado
uma sensação de encantamento aos alunos, sempre atentos aos modos do grupo de
criar e compor canções.
Ao chegar ao
primeiro assentamento na tarde do dia 20 de setembro de 2010 e durante a noite os
arte-educadores apresentaram a metodologia de trabalho, realizaram algumas
dinâmicas de grupo tais como apresentação e relaxamento utilizando música e
realizaram a divisão dos alunos nos GTs. Todos os minicursos foram realizados
nos quatro assentamentos. Apresentamos aqui, um quadro resumido dos GTs em cada
assentamento:
Quadro 1: Demonstrativo dos minicursos realizados nos assentamentos
Assentamentos
|
Número de
participantes (geral)
|
Grupos de trabalho
(minicursos)
|
01
02
03
04
|
44
46
54
34
|
Iniciação
ao pífano
Iniciação
a percussão
Iniciação
a bateria
Iniciação
a harmonia
Iniciação a leitura melódica
|
Fonte: Relatórios dos arte-educadores (2010).
Para a realização de cada minicurso, foi
desenvolvida uma metodologia padrão para cada assentamento, envolvendo:
abertura com dinâmicas de apresentação e escolha livre dos minicursos pelos
alunos; aulas nos turnos manhã e tarde; ensaio aberto à noite com o grupo
musical; e, apresentação dos resultados na última noite. Em cada assentamento,
os alunos inscritos tiveram contato com assuntos específicos à área solicitada,
perfazendo uma carga horária de 30 horas de trabalho.
No quadro acima, as informações
específicas de cada minicurso, como conteúdos e resultados obtidos, não foram
contemplados devido à quantidade enorme de informações a esse respeito. No
entanto, analisando de modo geral estes aspectos nos GTs dos quatro
assentamentos, pode-se concluir que em todos foram trabalhados conteúdos
relevantes no campo da educação musical, alcançando os resultados esperados no
processo de execução dos trabalhos dos participantes.
Para exemplificar tais resultados, em um
dos assentamentos, três alunos (duas meninas e um menino) do curso de iniciação
a bateria, nunca haviam tocado tal instrumento. Durante a apresentação final do
minicurso, feita para toda a comunidade (pais de alunos e demais moradores),
eles mostraram o que aprenderam, tocando ritmos como o xote e o ska. No caso do
ska, o professor utilizou-se de um exercício que consistia em tocar o bumbo,
chimbau, caixa, chimbau (sempre nessa ordem), repetidas vezes e com um
andamento lento para facilitar a memorização da célula rítmica. As meninas
foram as que melhor assimilaram o exercício proposto, segundo a avaliação do
professor.
Noutro exemplo, houve uma apresentação da
música “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira com a participação dos
alunos dos GTs de percussão, bateria e flauta doce. Criava-se assim, um momento
de apreciação e também de avaliação e conclusão. No GT de construção,
elaboração e iniciação ao pífano, que tinha como objetivo apresentar a jovens e
adolescentes os conhecimentos e técnicas de construção de pífanos e flautas
artesanais características do nordeste brasileiro, alunos aprenderam a
construir pífanos e a tocar as primeiras notas. Um deles mostrou-se muito
habilidoso, construindo três pífanos em apenas três dias de aula. De acordo com
o professor, devido ao pequeno número de alunos, foi possível também aprofundar
melhor os conhecimentos sobre a afinação do pífano, pois se tratando de um
conteúdo muito delicado, o número reduzido de alunos possibilitou um melhor
aprofundamento deste ponto.
As aulas do GT de iniciação a
percussão brasileira, foram muito úteis para os jovens participantes, pois já
havia ocorrido, com a presença deles, um curso de construção de instrumentos
percussivos onde os mesmos foram utilizados nas aulas, trabalhando ritmos como
o baião, o maracatu e a ciranda. No GT de Estudos básicos de bateria, foi
apresentado aos alunos um conhecimento básico sobre esse instrumento rítmico
com o objetivo de introduzir jovens músicos no conhecimento da bateria. Foram
trabalhados ritmos como o forró, a ciranda, o maracatu pernambucano, o xote, o
baião, dentre outros. Todos os alunos tiveram a oportunidade de tocar na
bateria, sendo que apenas um dos alunos não conseguiu assimilar os exercícios
aplicados.
No GT de Introdução a harmonia: prática de violão
e contrabaixo, o nível dos alunos era bem diferente, onde alguns conheciam o
instrumento e até sabiam tocar algumas notas, enquanto outros estavam tendo o
primeiro contato. Já no GT de Iniciação à leitura melódica utilizando a flauta
doce, os onze alunos participantes aprenderam: conceitos de parâmetros sonoros;
identificação da nota no pentagrama; exercícios de solfejo; e conhecimento das
notas, escala natural, pentagrama e clave de sol.
Considerações
finais
Ter vivido esta experiência de desenvolver práticas de
educação musical em lugares como estes assentamentos da Reforma Agrária, foi de
um aprendizado grandioso para os integrantes do grupo musical em estudo,
pois, antes de serem professores – ou arte-educadores, são artistas.
As práticas em salas de aula com educação
musical desses integrantes eram bem pontuais no período em que foi realizado
este projeto, tendo em vista que foi priorizado o trabalho artístico, as
criações e composições do referido grupo.
Acredita-se
que a meta arte-educativa tenha sido cumprida, pois o resultado final do
projeto foi considerado um sucesso, em uma reunião de avaliação das atividades.
O grupo levou o ensino de música para um total de 178 alunos, entre crianças,
adolescentes e jovens, de quatro assentamentos, além de ter possibilitado um
encontro da comunidade todas as noites durante os ensaios abertos, numa comunhão
de alegria, arte e cultura.
Propiciar
o acesso à cultura de modo geral, por meio da educação musical é um dos
objetivos de muitas iniciativas iguais a esta que acontecem em nosso país. “São
projetos voltados para a inclusão social (...), nos quais se destaca a música
em projetos sociais”. (SANTOS, 2011, Pág. 186). Sabemos da importância da
realização de tais iniciativas, mas é preciso também que estejamos cientes do
nosso papel em fazer valer o ensino de música não somente fora da escola
através de projetos via editais de fomento a cultura visando à inclusão social
de crianças e jovens, mas também dentro dela como propõe a lei 11.769/2008.
Em
síntese, a experiência de participar de um projeto como esse, é muito
importante tanto para os arte-educadores como para os alunos. Os colaboradores
e facilitadores do projeto deram oportunidade para que esses jovens possam
despertar e procurar desenvolver seus potenciais artístico-culturais, para que
um dia eles possam contribuir com a mudança de si e da realidade da sua
comunidade. Acredita-se que esta experiência tenha contribuído para acionar
neles uma vontade maior de viver, de participar de um grupo musical ou até
mesmo, quem sabe, de ensinar.
Referências
ARROYO, Margareth. Educação
musical na contemporaneidade. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM MÚSICA,
2. 2002, Goiânia. Anais do II Seminário Nacional de Pesquisa em Música. Goiânia:
ANPPOM, 2002. p. 18-29.
BARROSO, Oswald. A arte e a cultura na construção da reforma
agrária. Fortaleza, CE. 2005.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas
sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, 2002.
BRASIL. Lei n.11.769 de 18 de agosto de
2008. Brasília, DF: MEC/SEF, 2008.
[1] Este
grupo musical surgiu no início dos anos 1990. Mistura música e comicidade em um
trabalho autoral a partir de elementos sonoros, cênicos e coreográficos, tendo
circulado com seus espetáculos em países como Alemanha, Portugal, Coréia do
Sul, Argentina, Cabo Verde, Estados Unidos e Brasil.
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
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