segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Projeto Terminal da Música: O SOM DA PARADA

Durante os dias 26 a 30 de setembro de 2011 a cidade de Fortaleza vai receber uma programação musical bem diversificada. Por meio do Edital das Artes Secultfor a Produtora Iluminura, parceira do Grupo Dona Zefinha, realizará nos terminais de ônibus de Fortaleza apresentações artísticas voltadas para música brasileira. Conheça a programação e não deixe de pegar seu "Buzão" ao som de música de qualidade.



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Arte Retirante em dose dupla!


Ao som do batuque baiano de melodia brejeira, o público itapipoquense bailou com a energia brincante de Alisson Meneses e a Catrupia! O grupo de Vitória da Conquista/BA pediu licença para “botar o boi”, fez o povo cantar, fez até o Colombão pular. Fechou a noitada com gostinho de quero mais!
Antes, porém da noite chegar ao fim com tanta energia, a banda Feitos de Barro preparou o terreno com o seu som orgânico e letras contemporâneas. Emanou uma musicalidade criativa feita com pressão e poesia.
 O vocalista e guitarrista da banda, Edson Silva, estava emocionado com o lançamento do seu primeiro disco na Casa de Teatro Dona Zefinha, amigo de infância de quase toda a Zefinharia... A noitada ficou para história! Debaixo do cinturão de Orion, aliviados com os ventos uivantes da Terra dos Três Climas, 23 CDs da banquinha de discos foram vendidos! Que legal as coisas estarem à disposição! E um público médio de 100 pessoas para uma terça feira de um setembro qualquer.





Fora do Eixo em Itapipoca






 Nos dias 12 e 13 de setembro, a Casa de Teatro Dona Zefinha recebeu a visita de João Rafael, do Coletivo Fórceps de Sabará, Minas Gerais, e Thaís Andrade, do Coletivo Redecem, ambos pertencentes à rede Fora do eixo.  O que era pra ser uma oficina de “Ferramentas da Web” para a equipe de administração da casa, virou uma vivência de trocas de saberes inesquecível. João comentou sobre as ferramentas de comunicação e de sua experiência com as ações do Coletivo Fórceps em Minas Gerais. Thaís Andrade, por sua vez falou da experiência de produzir um grande evento, que teve um corte inesperado de recursos a poucos dias da abertura, e de como a internet foi uma ferramenta de mobilização importante para a realização da Feira da Música.
Como exercício da vivência a equipe preparou um blog: O Circo Sem Teto da Lona Furada dos Bufões.







terça-feira, 20 de setembro de 2011

A TRADIÇÃO POPULAR E O ROCK ALTERNATIVO CHEGAM A CASA DE TEATRO DONA ZEFINHA

A musicalidade de Alysson Menezes e a Catrupia (BA) regado ao som de tambores e cordas vai estremecer a Casa de Teatro Dona Zefinha hoje juntamente com o rock alternativo da Banda Feitos de Barro de Itapipoca. Você não pode perder. Hoje, 20 de setembro de 2011, a partir das 19h.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Leitura dramática do texto: "O vendedor de palavras"

No dia 01/09 o grupo Dona Zefinha recebeu a atriz e diretora Ana Marlene, que há 31 Anos faz parte do cenário teatral cearense, atuando e dirigindo vários espetáculos.  “O Vendedor de Palavras” do autor cearense Fernando Lira foi o texto escolhido. Nessa comédia, as palavras são tratadas metaforicamente como formas coercitivas do poder de quatro instituições: a Polícia, o Governo, a Igreja e os Meios de Comunicação.

CULTURA POPULAR SOBRE O FILTRO CRIATIVO DE GRUPOS ARTÍSTICOS DE ITAPIPOCA-CE MEDIADO POR POSSÍVEIS EXIGÊNCIAS ESTÉTICAS DA INDÚSTRIA CULTURAL


AUTORA: Ana Cristina de Moraes[1]


[1] Mestre em Educação Brasileira (UFC). Professora assistente da Universidade Estadual do Ceará – UECE/FACEDI.


Introdução
Esse artigo reflete sobre as produções de grupos artísticos cearenses (originados na cidade de Itapipoca.Ce) e centra o enfoque nas diversas manifestações da cultura popular que são apreendidas e ressignificadas por esses grupos no contexto das atuais exigências do mercado acerca da produção de bens culturais. Traz ainda uma reflexão sobre o campo da arte como espaço complexo de criações hibridizadas e como exercício de uma dimensão da práxis. Visa, pois, contribuir para a dinamização dos debates sobre cultura popular (sob a ótica das criações artísticas) e seus modos de configuração nos últimos anos. Alimenta assim, as instigantes reflexões sobre as interconexões entre tradição e modernidade, entre popular e erudito, tendo-se claro que essas relações não se produzem sem tensões e conflitos.
As reflexões aqui presentes foram elaboradas tanto a partir de estudo bibliográfico, como da análise de relatos[1] pela abordagem da história oral (THOMPSON, 2002) feitos por artistas de dois grupos de Itapipoca – D. Zefinha (música) que tem onze anos de existência e três CDs produzidos. Seu trabalho alia música, dança e teatro nas apresentações, com opção inicial explícita pela apropriação de elementos da cultura popular; e Companhia de Dança Ballet Baião (dança) que tem quinze anos de existência e se caracteriza pelo estilo de dança contemporânea. Também realiza diversas composições cênicas com claras expressões de elementos culturais populares.
Com tal explicitação e análise das elaborações desses grupos, este artigo possibilita uma maior visibilidade de produções artísticas cearenses, bem como de suas referências sócio-culturais e de seus modos de criação. Com isso, vislumbra-se a potencialização e o fortalecimento do sentimento de pertença e dos processos de identificação da população cearense com as expressões artístico-culturais localmente elaboradas. A relevância científica desse assunto dá-se em função do tema ser um dos destaques no âmbito dos estudos culturais, no sentido de ser necessário analisar os impactos causados por diferentes processos de hibridação, visando entender as rupturas, as permanências e as transformações das mais diversas expressões culturais. Concomitante a isso, entende-se que a cultura popular constitui uma das mediações fundamentais da formação de processos identitários de um povo, além de que suas formas de expressão são elementos da consciência e ao mesmo tempo de formação da consciência do povo. Por esta razão, realça-se o contingente caráter formativo da cultura popular.
Itapipoca, cidade onde foram criados os referidos grupos, situa-se no Litoral Oeste do Estado do Ceará e conta com 107.281 habitantes (IBGE/2007). É considerada a cidade dos três climas – dada a sua diversidade ambiental por estar localizada entre serras, litoral e sertão. Esta é uma cidade peculiar no que tange à intensidade de manifestações artístico-culturais:

Apesar de toda uma omissão histórica para com as manifestações da cultura popular em Itapipoca, sempre recorreu um movimento periférico na cidade e interiorano, nos distritos, que fez acontecer o repasse empiricamente didático dos folguedos e danças de geração em geração, de avô para neto, de pai para filho, tais como no bairro Picos onde se cultiva até hoje um grupo de Dança de São Gonçalo, no bairro Fazendinha a Escola de Samba “Unidos da Fazendinha”, na Boa Vista o Maracatu “As de Espadas”, em Arapari, Aracatiara e Assunção (distritos) o Reisado e os Dramas, na Praia da Baleia (distrito) o Côco de Praia dançado por senhores pescadores, no centro da cidade as novenas e as procissões dos dois padroeiros: São Sebastião e Nossa Senhora das Mercês, sem falar dos violeiros que se encontram todos em um bar tradicional para fazerem um festival de bairro e tantas outras expressões ousadas e comoventes (Gerson Carlos, Diretor da Companhia de Dança Ballet Baião, 2010).

Diversos grupos de teatro, de dança e de música, além de artistas plásticos, compõem o universo artístico da cidade e muitos artistas locais são também arte-educadores e se inserem principalmente nas escolas e projetos municipais. Com produções originais e forte capacidade criadora dos grupos citados, esses artistas vêm ganhando visibilidade nacional e internacional. Os mesmos atuam em redes de articulação[2] e possuem uma rica trajetória histórica de luta em defesa e promoção da arte elaborada na Microrregião de Itapipoca[3].
A produção desses artistas possui uma perspectiva multirreferencial e, nessa multiplicidade há uma forte presença de elementos da cultura popular, apesar de termos claro que os referidos artistas não têm a “obrigação” ou “somente” elaboram suas produções baseadas em elementos da chamada cultura popular. Como exemplo disso, podemos citar o trabalho da Cia. De Dança Ballet Baião que, apesar de ser tida como grupo de dança contemporânea, traz em diversas de suas produções estilos e elementos da cultura popular (passos, ritmos, vestimentas, lendas locais etc.):

... o que perseguimos é a possibilidade de transmutar as expressões do povo para dar novas configurações e formas cênicas ao que está posto como tradicional. Fazer tradição compete aos mestres e brincantes, nós somos e queremos outra coisa (...) Não acredito e não há tesão de minha parte em desenvolver pesquisas para resgatar algo ou para remontar algo, minha função enquanto artista contemporâneo é me nutrir e me deixar atravessar pelas expressões da tradição e, a partir delas, refazer-me na cena, falar do mundo, das particularidades e totalidades do mundo (Gerson Carlos, Diretor da Companhia de Dança Ballet Baião, 2010).

Nesse mesmo sentido, um integrante da D. Zefinha define o trabalho da banda:

O grupo D. Zefinha tem como principal fonte de inspiração os fatos da vida cotidiana. A partir dela, seguimos uma lógica de como seria transformar essa forma de andar, falar, pensar, comer, dançar, cantar etc., para uma linguagem mais artística e filosófica. Deslocamos cada sentimento apresentado e buscamos retratar de forma lúdica os fatos da vida. Por meio da música e do teatro, apresentamos ao público toda essa efervescência do mundo contemporâneo, fazendo essa ruptura da tradição e não seguindo essa “fidelidade” nas tradições para apropriação do fazer popular e as transformando em novos elementos (...) ... atualmente não nos vemos mais como um grupo que trabalha com as relações da tradição popular  (Paulo Orlando. Integrante da Banda D. Zefinha, 2010).

O contínuo contato com os artistas e arte-educadores de Itapipoca instigou a querer estudar mais a fundo sobre os processos de produção artística e profissional desses sujeitos sociais[4]. Apropriar-se desses saberes representa uma escolha política no âmbito do conhecimento e difusão da memória e dos elementos identitários cearenses.
Pesquisar e refletir sobre o tema “Cultura popular sobre o filtro criativo de grupos artísticos de Itapipoca-Ce mediado por possíveis exigências da indústria cultural” faz acionar no meio acadêmico e em espaços sociais diversos, problematizações estimuladoras de uma práxis que gera continuamente novos significados a diferentes elementos sócio-culturais: Como são apreendidas e ressignificadas as manifestações da cultura popular presentes nas produções de grupos artísticos de Itapipoca-Ceará, tendo-se em vista as atuais exigências do mercado sobre a produção cultural? Quais as concepções e os sentidos da cultura popular para os grupos artísticos de Itapipoca? Como se configuram as relações entre tradição e modernidade, no que tange à cultura popular, sob o olhar de grupos artísticos? Que exigências estéticas a lógica atual de produção de bens culturais do mercado vem impondo aos grupos artísticos? É sobre essas questões que o presente trabalho se debruça.

A criação artística como práxis nos processos de ressignificação cultural
A arte, como uma das formas de expressão e comunicação humanas, bem como um tipo de saber específico, distingue-se de outras formas de conhecimento – como a ciência, a religião, a política e a filosofia – principalmente pela linguagem da qual ela se utiliza para fazer-se e expressar-se.  Ao mesmo tempo, ela mantém relações híbridas com esses campos de saber, o que nos amplia a percepção da complexidade das ações humanas em seus múltiplos entrelaçamentos.
A linguagem artística é permeada pelo acionamento dos diversos sentidos do homem e essa peculiaridade, por apurar a sensibilidade e promover atos criativos de modo mais visceral, traz em si uma intensa potencialidade para a formação integral do ser humano se comparada a outras formas de conhecimento. No entanto, não podemos negar que a ciência, por exemplo, não se aproprie da sensibilidade e da criatividade para produzir conhecimentos. Se afirmássemos isso, estaríamos sendo reducionistas a ponto de fragmentar o ser humano em pólos supostamente antagônicos e cristalizados: razão versus emoção. Além disso, a linguagem artística não se produz apenas pela manifestação da emoção. Nela, também há grande trabalho racional e técnico, entrelaçado com as dimensões intuitiva, corporal e emocional e é preciso que percebamos a criação artística a partir da fusão entre essas diversas dimensões componentes do homem, pois este vive com o corpo inteiro. Ele não é um ser mutilado em que pode sobreviver somente com a “cabeça” (razão) ou só com o “coração” (emoção).
A forma em que o conhecimento artístico se manifesta realça os aspectos simbólico e lúdico da experiência humana, o que faz com que a arte seja dotada de uma linguagem plena de magia que atrai os olhares mais dispersos ou desinteressados.
Para Nietzsche (1992), a arte é um instrumento ou linha de fuga em relação às verdades instituídas e solidificadas pela sociedade, pois sua composição é aberta, fluida e permite-se agir livremente, transgredindo, assim, os enquadramentos que esses esquemas de verdades impõem. O campo da criação artística não pode se inserir em um “quadrado” (se fôssemos representá-la figurativamente), mas, no mínimo, num campo “espiral”, labiríntico” ou mesmo sem paredes que venham a submetê-la.
Arte é devir. É fluência da expressão humana, que se manifesta entre os espaços da liberdade onírica, imaginativa e da técnica. Nesse sentido, arte não é mero devaneio, nem mero improviso. É também razão, pois a linguagem artística integra, em sua composição, diversos modos de pensar-sentir. A essa integração, Nietzsche faz alusão à unidade entre o apolíneo e o dionisíaco. Apolo, deus da ordem, da clareza e da harmonia; Dioniso, deus da exuberância, da desordem e da música. Para tal filósofo, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pelo excesso de racionalidade da civilização[5].
A produção artística possui uma realidade multidimensional onde se entrelaçam as dimensões sócio-histórica, político-ideológica e mágico-transcendental, à medida em que se observa o período de sua composição, o estilo, a intenção e as energias que a constituíram. Porém, sua realidade ambígua pode apresentar concomitante a essas dimensões, os aspectos a-temporais, a-históricos e a-políticos, porque a obra de arte não tem a obrigação direta e fechada de exercer apenas um objetivo – de militância, por exemplo, pois as subjetividades de quem a produz e de quem a aprecia estão em constante efervescência perceptiva no contato com a obra.
Uma obra de arte legitimada socialmente – e é daí que ela passa a ser considerada arte – e divulgada por muitas gerações, pode produzir sensações diversas em quem a aprecia independentemente do momento histórico e da intenção ideo-política em que seus criadores e apreciadores possuem.
Os sentimentos e as reações humanas são prenhes de possibilidades de expressão e também de interpretação. Até mesmo uma tendência de arte politicamente engajada, como o Teatro de Brecht, pode ter seu objetivo “conscientizador” transcendido pela interpretação dos apreciadores. E isso é algo grandioso na arte. Ela vai além, leva os sentidos humanos a caminhos que atravessam as fronteiras da vida ordinária, da realidade objetiva. Gera, pois, amplidão do olhar, do ouvir, do falar,... do ser. Com isso, possibilita aos artistas o exercício da práxis. A práxis artística transforma por si mesma, tanto no decorrer do processo criativo para a elaboração das obras quanto no momento da apreciação e fruição do produto pelos sujeitos expectadores. A atividade artística exerce sua práxis a partir do momento em que gera processos de humanização:

Na medida em que a atividade do artista não é limitada pela utilidade material que o produto do trabalho deve satisfazer, pode levar ao processo de humanização que – em forma limitada – já se dá no trabalho humano até suas últimas conseqüências. Por isso, a práxis artística permite a criação de objetos humanos ou humanizados que elevam a um grau superior a capacidade de expressão e objetivação humanas, que já se revela nos produtos do trabalho. A obra artística é, acima de tudo, criação de uma nova realidade, e posto que o homem se afirma, criando ou humanizando o que toca, a práxis artística – ao ampliar e enriquecer com suas criações a realidade já humanizada – é uma práxis essencial para o homem. Como toda verdadeira práxis humana, a arte se situa na esfera da ação, da transformação de uma matéria que perderá sua forma original para adotar outra nova: a exigida pela necessidade humana que o objeto criado ou produzido há de satisfazer. A arte não é mera produção material nem pura produção espiritual. Mas justamente por seu caráter prático, realizador e transformador, está mais perto do trabalho humano – sobretudo quando este não perdeu seu caráter criador – do que uma atividade meramente espiritual” (VÀZQUEZ, 1977, p. 198-199)[6].

            Por tudo isso, não podemos minimizar ou depreciar o valor e o poder da elaboração artística em detrimento de outras formas de atuação na sociedade. A práxis artística é tão essencial para a humanidade quanto qualquer outra forma de práxis – política, religiosa, científica, produtiva etc. E, como forma de aprofundamento desse tipo práxis, exaltamos a ideia de Herbert Read, que propõe que façamos um esforço educacional voltado para formar pessoas capazes de criar. Em outros termos, para Read, o objetivo da educação precisa ser o da ‘formação de artistas’, ou seja, formação de “pessoas sensíveis e eficientes nos vários modos de expressão” (READ, 2001, p. 12)[7]. Assim, com uma formação estética que exalte a dimensão poética da vida e estimule os diversos sentidos, os seres humanos poderão se ampliar no sentido de pensar/viver com o corpo inteiro e promover ações criativas, solidárias e emancipadoras em diversos campos de saber e em diferentes setores da sociedade. Nessa mesma direção, Augusto Boal* anuncia que todos nós somos artistas em essência: somos atores sociais que exercemos múltiplos papéis cotidianamente e esses papéis são permeados de máscaras, desejos, frustrações, sentimentos e pensamentos variados. 
As criações artísticas se constituem a partir dos processos de transformações e de ressignificações culturais que elas produzem intencional e conscientemente, tanto em função das escolhas estéticas dos artistas quanto das exigências atuais do mercado e do público. Tradição e modernidade, nesses processos, se interconectam continuamente e, por vezes, se hibridizam, resultando em novas configurações. Nesse contexto, os grupos de artes de Itapipoca que possuem fortes referências na cultura popular local para a composição de suas obras de artes, criam outras paisagens artístico-culturais a partir da apropriação dessas referências de modo ressignificado. Cabe, pois, questionar sobre os processos de elaboração desses grupos no sentido de buscar saber se os mesmos utilizam-se de critérios de escolhas dessas referências, como desenvolvem as pesquisas dos elementos culturais populares, como suas produções realizam o diálogo com outras fontes inspiradoras para além da chamada cultura popular e de que modo se situam em meio às atuais imposições da lógica capitalista de produção cultural.

Cultura popular e os processos de hibridação no âmbito das produções artísticas
As interconexões entre tradição e modernidade, popular e erudito, são apreendidas, nos limites deste trabalho, a partir da perspectiva analítica dos processos híbridos[8] no âmbito das elaborações artístico-culturais:

A primeira condição para distinguir as oportunidades e os limites da hibridação é não tornar a arte e a cultura recursos para o realismo mágico da compreensão universal. Trata-se, antes, de colocá-los no campo instável, conflitivo, da tradução e da ‘traição’. As buscas artísticas são chaves nessa tarefa, se conseguem ao mesmo tempo ser linguagem e ser vertigem (CANCLINI, 2008, p.XL).

Canclini, antropólogo argentino, aponta a realidade conflitiva entre, por exemplo, o tradicional e o moderno nos processos de criação artística e a nomeia como tradução e traição ao mesmo tempo e é o que se percebe no discurso de um dos artistas entrevistados acerca desse tema:

... quando a comunidade acha que aquilo é algo essencial ela acaba tomando pra si. A gente pode dar o exemplo... da quadrilha. Quando a gente achou que a quadrilha ia se acabar porque era uma coisa de brincadeira, ela virou espetáculo. A quadrilha hoje é espetáculo, os jovens acharam aquilo bacana e inventaram uma nova forma de fazer quadrilha. É aquilo ali. Aí você diz: ‘ mas o que era bom, era aquilo do passado ou o de hoje?’ eu não sei, eu acho que elas cumprem suas funções nas suas épocas. Aquela quadrilha do nosso tempo de brincar, não dá pra ser assistida, porque ela é uma brincadeira, assim como o reisado é uma brincadeira. (...) De uma certa forma, se você não toma isso como importante, se não acontece em condições de que as pessoas vejam ela vai se perder mesmo no tempo e acabou e vira folclore. Pra mim folclore é isso, é coisa que não existe mais, já rolou... Tem coisas que se perdem na memória, ao mesmo tempo em que outras vão surgindo e vão inventando outras coisas. Então é isso. Isso é cíclico. Eu acho que as coisas tem que mudar. Elas vão mudando porque se não você não tem novidade, não é? E não ter novidade é um saco..., tem que ter. Alguns são felizes nessa coisa de novidade. Outros não. Então, temos que correr o risco, não dá pra gente saber. (Orlângelo Leal, Integrante da Banda Dona Zefinha, 2010).

Um aspecto relevante anunciado por esse artista é o processo de espetacularização das manifestações populares tradicionais, motivado tanto pelo interesse das próprias comunidades em dar sentido e continuidade às mesmas de modo ressignificado, com nova roupagem, quanto pelas transformações atuais em relação à aceitação das tradições pelo público e pelo próprio mercado, exigindo-se outra composição estética e temporal.
Em levantamento de pesquisas[9] já realizadas no Brasil nas duas últimas décadas sobre o tema em questão, identifica-se que os focos mais recentes de análise situam processos de hibridação cultural, bem como as ações da indústria cultural[10] na apropriação dos elementos culturais populares como produto. Há ainda presente a perspectiva de estudo dos folcloristas, que têm a visão e a expectativa da “preservação” da cultura como forma de evitar a “extinção” de certas manifestações, através das investidas para se modernizar as tradições. Na pesquisa bibliográfica já iniciada observamos que dentre os estudos existentes sobre cultura popular há uma tendência predominante neles que são os recortes dados pelos pesquisadores - como ARANTES (2006); HALL (2006) - acerca de manifestações da cultura popular local em contraposição e também em interligação com instâncias nacionais e internacionais. Além disso, esses estudos apontam algumas divergências entre si, como por exemplo, os posicionamentos entre pesquisadores mais tradicionais – folcloristas – que defendem a necessidade de preservação da memória e das manifestações culturais tidas como ‘originais’ – CASCUDO (1967) – e os que defendem uma perspectiva analítica das reconfigurações da cultura a partir de processos híbridos – CANCLINI (2008); ESCOSTEGUY (2001); HALL (2006).
Voltando-se para o estudo dos termos cultura e cultura popular, vê-se que os mesmos são apresentados e analisados por alguns autores a partir de perspectivas diversas, tendo, pois, um caráter polifônico e que precisam de estudos mais apurados para se perceber suas convergências e oposições. Essas concepções tanto podem abarcar um amplo leque de definições como podem explicar a composição de grupos sociais específicos. Assim, segundo Barros, pensar a cultura sob a lógica da polifonia é “... buscar as suas múltiplas vozes, seja para identificar a interação e o contraste entre extratos culturais diversificados no interior de uma mesma sociedade, seja para examinar o diálogo ou o ‘choque cultural’ entre duas culturas ou civilizações distintas (BARROS, p. 73).
Dentre tantas concepções sobre cultura, expõe-se aqui o conceito de Marilena Chauí sobre o assunto:

... a cultura é compreendida como o campo no qual uma comunidade institui as relações entre seus membros e com a natureza, conferindo-lhes sentido ao elaborar símbolos e signos, práticas e valores, ao definir para si própria o possível e o impossível, a linha do tempo (passado, presente e futuro), as distinções no interior do espaço, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, o permitido e o proibido, a relação com o visível e o invisível, com o sagrado e o profano, a guerra e a paz, a vida e a morte (2010, p.131).

Chauí traz a noção de comunidade em contraposição à de sociedade para destacar as relações sociais construtoras da cultura num face a face sem intermediações institucionais onde as pessoas criam e fortalecem um sentimento de pertença sobre os signos elaborados no seio dessa comunidade: “Ora, o mundo moderno desconhece a comunidade: o modo de produção capitalista dá origem à sociedade, cuja marca primeira é a existência de indivíduos, separados uns dos outros por seus interesses e desejos” (IDEM, p.132).
Noutra definição, Peter Burke[11] elabora o conceito de cultura oferecendo a seguinte leitura: “Cultura” é uma palavra imprecisa e com muitas definições concorrentes: “... a minha definição é a de “um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (representações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados” (1999, p.25). A cultura, na acepção deste historiador, “faz parte de todo um modo de vida, mas não é idêntica a ele” (IDEM, p.25). Na visão de Burke, cultura define-se a partir de algumas variáveis: a de cada composição social, a de cada época em que se situa uma dada sociedade e a de cada interpretação feita sobre esta. Assim, convém investigar a teia complexa em que se insere a noção de cultura ao partir para análises sócio-culturais.
Numa mesma linha de pensamento, apreende-se o termo cultura popular envolvendo as variáveis acima citadas, além de acrescentar que esta acepção se afirma, num primeiro momento, por algumas negações: ela é cultura “não-oficial”, é cultura da “não-elite” ou da não-erudição (IDEM, p.25). Categorizar determinados termos é forma limitada de compreender a rede de representações e significados que o conceito está inserido, pois não se pode fragmentar ou analisar tão maniqueisticamente as realidades culturais, mesmo porque, historicamente, as chamadas cultura “popular” e “erudita” mantiveram constantes aproximações e fusões nos diferentes processos de aculturação e de hibridação cultural. Peter Burke (1989) nos traz ainda uma contribuição essencial a presente proposta de estudo ao tratar sobre as configurações e a história da cultura popular na modernidade. Segundo suas análises, até meados do século XIX não se desenvolveu um interesse sistemático pela arte popular, muito provavelmente porque, até então, os objetos artesanais populares não estavam ameaçados pela produção em massa. Mas isso não significa dizer que a mesma não era apreciada também pela elite, particularmente a literatura, o teatro e as canções populares.
            É no final do século XIX que o tema da cultura popular vem ganhar espaço no meio intelectual europeu:

A descoberta da cultura popular foi, em larga medida, uma série de movimentos “nativistas”, no sentido de tentativas organizadas de sociedades sob domínio estrangeiro para reviver sua cultura tradicional. As canções folclóricas podiam evocar um sentimento de solidariedade numa população dispersa, privada de instituições nacionais tradicionais (...) ... a descoberta da cultura popular ocorreu principalmente nas regiões que podem ser chamadas de periferia cultural do conjunto da Europa e dos diversos países que a compõem (BURKE, 1989, p.40-41).

            Burke constatou em seus estudos que as alterações nas tradições são constantes no decorrer histórico:
                                  
O que se pode comprovar é que em época relativamente recente, entre 1500 e 1800, as tradições populares estiveram sujeitas a transformações de todos os tipos. O modelo das casas rurais podia se alterar, ou um herói popular podia ser substituído por outro na “mesma” estória, ou ainda o sentido de um ritual podia se modificar, enquanto a forma se mantinha mais ou menos a mesma. Em suma, a cultura popular de fato tem uma história (IDEM, p.48).

            A partir dos estudos de Burke, observa-se que os processos de hibridação cultural enfocados por Canclini (2008) não é um fenômeno recente. Burke descreve uma série de acontecimentos modernos que ilustram isso, como por exemplo, o carnaval, festa popular de rua, mas que, efetivamente, era para todos – elite e povo. Observa-se ainda que a cultura popular estava longe de ser homogênea podendo-se mesmo falar em “muitas culturas populares” ou”muitas variedades de cultura popular” (BURKE, 1989, p.56).
Separações terminológicas – popular x erudito, por exemplo – têm uma função semântica muito forte, bem como interesses e pressupostos classistas, pois funcionam como explicação das fontes originárias da elaboração de um dado objeto cultural, bem como explicitam as relações de poder nelas envolvidas. Muitas vezes, as análises que tentam separar o “popular” do “erudito” soam como percepção ingênua dos processos de interações sociais:

... as oposições de modos culturais, ‘litteratus e ilitteratus’ por exemplo, referem-se menos a indivíduos tomados na totalidade do que a níveis de cultura que podem existir (coexistem frequentemente) no interior de um mesmo grupo, até no comportamento e na mentalidade do mesmo indivíduo. Esta noção de ‘níveis sociais’ coexistentes em um mesmo campo (ambiente social, grupo ou indivíduo) é obviamente imprescindível para o estudo de realidades culturais que se concebem múltiplas. Trata-se de rejeitar as dicotomias já esclerosadas que associavam, na antiga História Intelectual, certos ‘níveis culturais’ (alta e baixa cultura) a estratificações sociais específicas (BARROS, 2004, p. 75).

            A consagração do que seja popular ou erudito é em si uma expressão de relações de poder entremeadas em um viés elitista de afirmação do que seja “melhor”, mais “belo”, mais “verdadeiro” e, nesse contexto, cabe problematizar sobre de onde vem esse poder de consagrar? Quem atribui importância ou “reputação” a determinado tipo de cultura, para utilizar os termos de Bourdieu (2006, p. 23-25)? O que faz as “reputações” é, segundo o referido autor, “... o campo da produção como sistema das relações objetivas entre esses agentes ou instituições e espaço das lutas pelo monopólio do poder de consagração em que, continuamente, se engendram o valor das obras e a crença neste valor” (IDEM, p. 25). 
Já a cultura popular, de acordo com Canclini, é resultado de processos de hibridação entre diferentes elementos culturais. Esses processos se atualizam e se ressignificam com o percurso histórico. Hibridação, para ele, refere-se a “... processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Cabe esclarecer que estruturas chamadas discretas foram resultado de hibridações, razão pela qual não podem ser consideradas fontes puras” (2008, p. XIX). Estruturas discretas são elementos culturais – línguas de diversos povos, por exemplo – que, ao se entrecruzarem, se transformam. Tal pesquisador trata da necessidade do estudo dos processos culturais, com o intuito de se conhecer formas para situar-se em meio à heterogeneidade, bem como de compreender como são produzidas as hibridações.
Realçando os processos de elaborações híbridas, o relato a seguir é esclarecedor:

Em referência a Banda Dona Zefinha, em meados de 2000, o grupo lançou o CD intitulado “Cantos e Causos” que tinha como fonte de pesquisa as relações da tradição popular. Por meio de uma pesquisa, a banda permeou e colheu como fonte de inspiração as manifestações da tradição popular cearense como os reisados, a dança do côco, o xote, o baião, o maracatu etc. Tais manifestações seguem a lógica dessa tradição como forma de expressão mais singular. Em detrimento a tais manifestações, o grupo deslocou-se para o mundo contemporâneo, fazendo uma ruptura do que seria tradição e incluindo os elementos da modernidade, bem como o uso de guitarras, violão, elementos eletrônicos, expandindo e dando uma nova roupagem no que se refere ao fazer cultural moderno. (Paulo Orlando, integrante da Banda Dona Zefinha, 2010).

Tendo-se por base a perspectiva relatada acima, reforça-se as idéias de Canclini, que problematiza as configurações atuais da cultura popular constatando que as mesmas não se extinguiram, mas ocuparam outros “lugares” ou “não-lugares”: “A encenação do popular continua a ser feita nos museus e exposições folclóricas, em cenários políticos e comunicacionais, ...embora a recomposição, revalorização e desvalorização de culturas locais na globalização acentuem, e às vezes alterem, alguns processos de hibridação” (IDEM, p.XXXVII). Para ele, essas alterações não representam apenas o caráter antagônico, mas, muitas vezes são complementares entre si. Esse antropólogo também faz importantes reflexões sobre as noções de tradicional e moderno em suas especificações e interconexões: “... a incerteza em relação ao sentido e ao valor da modernidade deriva não apenas do que separa nações, etnias e classes, mas também dos cruzamentos socioculturais em que o tradicional e o moderno se misturam” (IDEM, p. 18). Esse intercruzamento possibilita os movimentos de trânsito ou entrelaçamento entre saberes culturais da tradição e da modernidade, como por exemplo, a apropriação de elementos de um reisado cearense[12] por parte de uma banda ao compor uma música de rock regional. Ou ainda um grupo de teatro de bonecos que utiliza diversos equipamentos de alta tecnologia para seus espetáculos – microfones, luzes, etc.

Mas todos esses usos da cultura tradicional seriam impossíveis sem um fenômeno básico: a continuidade da produção de artesãos, músicos, bailarinos e poetas populares, interessados em manter sua herança e em renová-la. A preservação dessas formas de vida, de organização e pensamento se explica por razões culturais, mas também, (...) pelos interesses econômicos dos produtores que tentam sobreviver ou aumentar sua renda. Não ignoramos o caráter contraditório que os estímulos do mercado e de órgãos governamentais ao folclore têm (CANCLINI, 2008, p. 218).

Considera-se que a reprodução das tradições não impõe o necessário fechamento à modernização. Ao contrário e de modo complementar, essas interconexões ampliam a visibilidade e a memória das tradições populares, enriquecendo as elaborações modernas. A esse respeito Canclini afirma:

O conflito entre tradição e modernidade não aparece como o sufocamento exercido pelos modernizadores sobre os tradicionalistas, nem como a resistência direta e constante de setores populares empenhados em fazer valer suas tradições. A interação é mais sinuosa e sutil: os movimentos populares também estão interessados em modernizar-se e os setores hegemônicos em manter o tradicional, ou parte dele, como referente histórico e recurso simbólico contemporâneo. Ante essa necessidade recíproca, ambos se vinculam mediante um jogo de usos do outro nas duas direções (IDEM, p. 277).

            Na dicotomia entre “tradição x modernidade”, muito recorrente na presente discussão, também se verifica percepções separatistas e com forte desejo de “preservação” envolto em uma pretensa pureza cultural. Tais percepções são perigosas se tiverem uma lógica fechada e inflexível, pois o dinamismo social e suas transformações dados com os processos de modernização das sociedades pela via da globalização econômica, vêm gerando processos intercomunicativos entre diferentes culturas e, consequentemente, reconfigurações de elementos culturais que eram tidos como “originais” ou “tradicionais” (ORTIZ, 2006; THOMPSON, 1998). Considera-se, entretanto, que é pertinente a preocupação com elementos culturais que estão em vias de “extinção”, pois, eles são referências primordiais para o que se transforma e se ressignifica. Mesmo buscando-se ser fiel à “tradição”, ao “passado”, “é impossível deixar de agregar novos significados e conotações ao que se tenta reconstituir. Isso é inevitável, porque a própria reconstituição é informada por e é parte de uma reflexão sobre a história da cultura e da arte que, em grande medida, escapa aos produtores ‘populares’ da cultura” (ARANTES, 2006, P.19). Arantes discorre sobre a noção de reconstituição que, no âmbito desse estudo, possui grande relevância para as análises dos processos de hibridação entre tradição-modernidade, local-global, popular-erudito. Esses elementos conceituais e empíricos, aparentemente dicotômicos, distinguem-se no âmbito da explicação sobre instâncias e formas de manifestação, mas essas manifestações já são em si resultado de composições híbridas.

Os impactos da indústria cultural no processo de criação artística
Theodor Adorno (2002), estudioso do assunto, remete o termo Indústria Cultural ao processo de apropriação dos mais diversos produtos culturais por parte do mercado e transformados em utilidades do ponto de vista dos negócios lucrativos. Esse teórico explicita a lógica atual de produção de bens culturais a partir do predomínio da técnica a serviço da reprodutibilidade, a massificação dos elementos culturais expressa na produção em série tendo em vista seu desenfreado consumo, bem como a assimilação da arte como objeto útil. Tal indústria se direciona para o uso das tecnologias da informação por parte de grupos dominantes política, cultural e economicamente, para a disseminação de suas idéias massificantes (homogeneizadoras), conformistas e alienantes. A produção de bens culturais torna-se morbidamente orientada pelas amarras consumistas do capital. Segundo ele, “Os produtos da indústria cultural podem estar certos de serem jovialmente consumidos, mesmo em estado de distração. Mas cada um destes é um modelo do gigantesco mecanismo econômico que desde o início mantém tudo sob pressão, tanto no trabalho quanto no lazer,...” (ADORNO, 2002, p.17).
De acordo com os estudos de Renato Ortiz (2006), as transformações sócio-econômicas ocorridas no Brasil e a conseqüente consolidação da indústria cultural principalmente entre os anos de 1960 e 1970, fizeram emergir a chamada cultura de massa, aquela que a partir dos meios massivos de comunicação da época proliferou um tipo de cultura voltado para o consumo. Cultura popular, nesse contexto, também vai se tornando, ressignificada e massificadamente, um produto lucrativo. As concepções teóricas de Ortiz também auxiliam nas análises sobre as produções dos grupos de artes de Itapipoca dentro do contexto da massificação da cultura e como tais produtos artísticos são tratados a partir dessa lógica.
A partir dos relatos dos componentes dos grupos D. Zefinha e Ballet Baião, percebe-se que os mesmos criam suas obras artísticas a partir dos próprios desejos estéticos, o que demonstra autonomia e liberdade, ao mesmo tempo em que estão antenados com as tendências culturais e exigências atuais do mercado mundial. Possivelmente, esta seja uma forma de manutenção de seu lugar no mercado cultural e também de se tornar interessante para o perfil do público atual. Nesse contexto, questiona-se: até que ponto esses grupos estão ou não fazendo sucumbir suas idéias e anseios artísticos em detrimento da adaptabilidade frente às investidas enquadrantes da indústria cultural? Pessimistamente, a esse respeito, Adorno afirma que: “Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado. Excluído da indústria, é fácil convencê-lo de sua insuficiência” (2002, p. 25-26). Tal questionamento precisa ser apurado mais detidamente em outro momento investigativo junto a esses grupos, dada a sua contundente relevância.
O público que consome bens culturais hoje mostra-se, tendencialmente, muito dinâmico, com outra dimensão temporal – mais ágil e imediatista – sendo rodeado de informações (por vezes superficiais) sobre elementos de diferentes culturas e com percepções caleidoscópicas e híbridas sobre as coisas. Adorno realça o estado alienado em que se encontra esse consumidor: “ele se satisfaz com a reprodução do sempre igual” (2002, p. 27). Nesse sentido, por imposições da indústria cultural tendo em vista atingir os interesses desse novo consumidor, as produções artísticas vão gerando transformações e modernizações das referências culturais:

...a nossa paciência também mudou. Antigamente assistir um reisado de oito horas era a coisa mais normal do mundo. Hoje se você assistir quarenta minutos inteiros, foi bom, entendeu? Quer dizer, nosso time é outro. Então naquela época, o reisado era um evento... era o que tinha de mais próximo desse povo e que vem de longe porque o circo é uma coisa fantástica, né? Quando o circo chega, o circo era a internet da época. Porque eram os únicos que conheciam tudo. Eles eram as grandes referências... o cara que morava no Ceará não tinha nem noção do que era o Rio de Janeiro, não, gente. Não tinha noção como era São Paulo. Não tinha imagens. Então quando você via um reisado era o que tinha de mais puro artístico ali pra você estar vendo fora do seu olhar cotidiano. Um olhar mais do ritual. E isso já foi, vai se perdendo porque vão aparecendo outros ícones, né? A própria TV e a internet tem tirado também [a magia]... do teatro. (...) Com certeza, o grande povão está sobre os grandes fenômenos de marketing que são feitos só pro pessoal consumir, cultura de massa, é muita bobagem, bobagem, bobagem,... (Orlângelo Leal, integrante da Banda D. Zefinha, 2010).

Para além das exigências da indústria cultural, os artistas entrevistados enfatizam os diálogos que seus grupos vêm tendo com outras culturas e como isso interfere nos modos de pensar e fazer arte. Para eles, os processos de modernização da obra são necessários à revitalização criativa na elaboração artística:

Eu acho que D. Zefinha foi uma das bandas que teve oportunidades que vai acabar mexendo em nossa forma de ver a vida. A gente teve a oportunidade de conhecer três continentes. E essas coisas acabaram alterando na gente assim eu digo, muito mais em mim mesmo que sou a figura de criação do grupo, as composições, o trabalho cênico e hoje eu to pensando diferente eu to vendo a vida de outra forma. E hoje eu vejo que a cultura popular, essa coisa da raiz, é mais um elemento também. Dentro do que a gente tá querendo assimilar, essa coisa da universalidade, do contato, desse filtro depois de dez anos viajando. Estivemos nos EUA, na Guiana Francesa, na Argentina, Cabo Verde, Berlim, Corea do Sul, Chicago, Nova Iorque, Espanha, França, Hungria. Isso com certeza alterou minha forma de ver a vida, onde pude comer outras comidas, sentir outros cheiros, ouvir outras músicas, eu estive na Tchecoeslováquia, nunca imaginei [risos] que eu ia passar na Tchecoeslováquia. Não sabia nem onde era a Tchecoeslováquia gente. [Risos] ... E eu sou brasileiro. Então eu comecei a sentir que eu era mais do mundo também, deixei de ser brasileiro um pouquinho. Me sinto agora mais um pouco do mundo.... ó eu tive lá, agora já sei, tenho uma referência do que as pessoas estão ouvindo, de como é a realidade do mercado musical nesses países... Eu gosto de ir e voltar. Mas toda vida que eu vou eu aprendo coisas e trago e acabo meio que processando. As minhas últimas composições são muito engraçadas, porque não tem nada a ver com todo o trabalho que eu to fazendo. E tem a ver... estão mais sutis, não sei, estou gostando muito, estou naquela fase da paixão da obra, depois vou dar a crítica e os refinamentos finais. Mas eu vejo assim, eu acho que a gente está num novo processo bacana. Ele é resultado dessas experiências de shows, muita apresentação. A gente passou dez anos se apresentando de verdade mesmo. No interior, na capital, viajando pelo Brasil, trabalhando muito de graça também,... (Orlângelo Leal, integrante da Banda D. Zefinha, 2010).

Não se deve temer o fim das coisas e nem o nascimento de outras, contanto que esse “novo” nasça de necessidades indivivuais e coletivas, sem interferência de uma imposição global ou mercado padronizador de cultura. Podemos dançar uma música em inglês, no entanto, ali estamos sendo nordestinos, cearenses de Itapipoca. Não é preciso que se dance um Luis Gonzaga de lamparina na mão para evocar a idéia de ser do sertão. O que de fato pesa é o corpo, a história-memória que se manifestam no olhar, na pele, no suor que cai,... se a música for em espanhol ou italiano serei do mesmo jeito itapipoquense, um corpo que se relaciona com uma outra voz, estrapolando conceitos bairristas que tendem a “caricaturar” o que somos (Gerson Carlos. Diretor da Cia. Ballet Baião).

Os dois relatos acima discorrem sobre a necessidade do novo, da transformação, da modernização, em diálogo constante com as singularidades culturais dos artistas. As experiências e desejos cotidianos desses sujeitos geram, inevitavelmente, modificações nos modos de ser, pensar, sentir e criar, principalmente ao interagir com manifestações culturais diferentes e recriar a partir delas.

Considerações Finais
Os grupos referidos aqui – D. Zefinha e Ballet Baião – têm algo comum entre si que é o fato de terem sido criados em Itapipoca, bem como por virem atingindo uma dimensão nacional e internacional na divulgação de suas obras artísticas, participando de festivais e de outros eventos de grande repercussão e, com isso, contribuindo para a propagação da cultura popular cearense, pois suas criativas produções possuem fortes elementos identificadores dessa cultura como a linguagem, os ritmos regionais, as lendas e mitos locais, os trejeitos, as vestimentas etc. Como exemplo disso, observa-se a letra de música “Folia” (autoria de Orlângelo Leal) da Banda D. Zefinha, presente em seu 1º CD “Cantos e Causos”: Ai mamãe, perdi / Minha cafuringa / To ‘cum’ pena de eu / To ‘cum’ dó de mim./ A zabumba fez o toque, / o pandeiro cutucou, / o triângulo ecoou minha cantiga./ Menina rebola / coco de roda / feito só pra ‘nóis’ sambá./ Já selei minha burrinha / pus o chapéu de vaqueiro / pinotá nesse terreiro / até o fim do mundo chegar./ Jaraguá piou mais forte / vou voltar pro norte / a saudade apertou./ A seca deixou tão triste o dia / vou cair nessa folia / colorir meu sertão / animar meu povão / vou virar Mateus. Somente nesta produção, percebe-se na letra a presença de muitos elementos culturais populares como certos termos do linguajar cearense – ‘cafuringa’, ‘rebola’ – e algumas figuras do Reisado como o ‘Jaraguá’ e o ‘Mateus’. Isso sem contar ainda com as possibilidades analíticas da melodia, dos arranjos, do ritmo.
Mas esses grupos não se limitam às contribuições da chamada cultura popular; ao contrário, possuem a perspectiva da multirreferencialidade em seus processos criativos. E é essa perspectiva que gera processos híbridos nas produções de tais grupos.
A hibridação é uma realidade constante nas elaborações artísticas e na própria construção cultural de diversos povos que, cada vez mais, dialogam entre si, no âmbito da globalização econômica, que interfere diretamente sobre essa construção. Tal aspecto pode ser visto como positivo do ponto de vista das possibilidades criativas que se dão a partir desses diálogos e interconexões entre elementos culturais diversos. Porém, a globalização traz também consigo uma série de exigências ao mercado de bens culturais, estimulando e até mesmo impondo formas, tempos e conteúdos a tais bens.
Nesse contexto, os artistas de modo geral, para divulgarem suas criações ou mesmo para se inserirem no circuito de consagração de sua obra, muitas vezes vão sendo engolidos pela onda massificante e mediocrizante da indústria cultural.  No caso dos grupos aqui referidos, percebe-se uma forte tendência à resistência frente às imposições dessa indústria e isso em si já expressa a singularidade dos artistas que os compõem. Cabe, pois, a esses artistas, ressurgirem criativamente dessa onda, realçando e fortalecendo as singularidades de seus desejos estéticos em detrimento das violentas investidas de tal indústria.
 
Bibliografia
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VAZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.


[1] Entre agosto e setembro de 2010, foram realizadas três entrevistas com membros dos grupos D.Zefinha e Ballet Baião a respeito de suas concepções e seus modos de elaboração artísticas, visando perceber as possíveis convergências e ressignificações de elementos da cultura popular em seus trabalhos.
[2] Em artigo intitulado “A defesa do ensino de artes a partir das articulações entre o movimento de artistas e arte-educadores (representado pela AARTI) e as instituições educativas de Itapipoca-ce: A perspectiva das redes de movimentos” (MORAES & BRAGA, 2010) analisamos o histórico movimento de artistas da microrregião na promoção da arte e do ensino de artes na Microrregião de Itapipoca.
[3] A Microrregião de Itapipoca abrange os Municípios de Itapipoca, Tururu, Itarema, Amontada, Miraíma, Acaraú, Morrinhos, Uruburetama, Umirim, Trairi, Itapajé, São Gonçalo do Amarante, São Luis do Curu, Paraipaba e Paracuru.

[4] Entre 2007 e 2010, realizamos duas pesquisas institucionais com assuntos relacionados ao tema proposto neste projeto: A primeira delas problematizou em que sentido a efervescência de manifestações artísticas locais e a militância desses artistas estimula e dá visibilidade ao ensino de Artes nas escolas. A segunda analisou os tipos de saberes que são mobilizados pelos professores de Artes das escolas municipais de Itapipoca.
*Professora Assistente da UECE/FACEDI. Coordenadora do Núcleo de Artes Cênicas – NACE/FACEDI.
[5] Sobre essa discussão, ver Nietzsche, F.O nascimento da Tragédia – ou Helenismo e Pessimismo. São Paulo: Companhia das letras, 1992.
[6] VAZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
[7] READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
*Teatrólogo brasileiro.
[8] A idéia de hibridação cultural será apreendida e desenvolvida neste trabalho a partir da referência aos estudos de Nestor García Canclini (2008).
[9] Esse levantamento foi feito em sites como scielo.com, bem como em sites de universidades brasileiras buscando-se teses, dissertações e artigos científicos. Além disso, a busca foi feita em revistas científicas na área de ciências humanas.
[10] A respeito da noção de Indústria Cultural, ver ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
[11] Será esse historiador, a priori, uma das referências-guia para se desenvolver as noções de cultura e cultura popular.
[12] Delimito aqui o reisado cearense para afirmar as diferenciações dos reisados elaborados em várias partes do país, que apresentam características – personagens, figurinos, canções, etc. – muito específicas.