quarta-feira, 25 de maio de 2011

Leitura Teatral



O ator e diretor teatral Fernado Piancó foi o primeiro convidado da Dona Zefinha para encenar a leitura dramática do mês de Maio. No artigo a seguir comenta suas impressões e pensamentos sobre a tarde em Itapipoca


Dona Zefinha e os Seis Climas

Itapipoca (do tupi-guarani “pedra arrebentada”), na região norte do estado do Ceará, é conhecida como a cidade dos três climas por haver em seu território praias, serras e sertão. 

Tem um comércio bastante diversificado fazendo com que seja um centro regional de compras e negócios. O município produz, entre outros, algodão, feijão, leite, queijo, peixes, crustáceos e o turismo que traz vários visitantes à cidade, devido às atrações naturais, arqueológicas e arquitetônicas. Produz, também, arte e cultura das boas.

A recém inaugurada “Casa de Teatro Dona Zefinha” um local de sonhos e realizações e que servirá de base para as produções musicais e cênicas do grupo Dona Zefinha, passa a fazer parte desse rol de produção que parece um “pipocar” de pedras de arte e cultura prá todo lado.
A casa conta com mais de 200 metros quadrados e está situada no bairro Jenipapo. Em seu espaço abriga uma sala de música, ateliê de criação e restauro de figurinos e adereços, sala de pesquisa, hospedagem solidária, sala de produção e sala de cênicas. 

A idéia é que na casa desenvolvam-se, além das atividades de ensaios e de produção comercial do grupo, ações formativas e compartilhamento de idéias e pensamentos sobre o universo da arte, beneficiando artistas e a comunidade de Itapipoca, da região e do Ceará e pretende, através de parcerias, alçar vôos mais altos para contribuir, ainda mais, com o desenvolvimento da arte e da cultura no nosso país.
Estive na “Casa”, no dia 19 de maio, atendendo convite de Orlângelo Leal para participar, como facilitador, de um workshop prático visando à realização de uma leitura viva de um texto teatral.
Escolhi, de comum acordo com o Orlângelo, o texto de Márcia Frederico “O Médico Camponês ou a Princesa Engasgada”, uma farsa saborosa inspirada em conto da tradição oral medieval.
A casa realizará um programa de dez leituras dramáticas, uma a cada mês, de textos de comédia e, convidando, a cada uma um diretor que realizará um workshop seguido de leitura.  

Cheguei à Itapipoca por volta das 10 horas da manhã da quinta-feira e fui direto para a casa conduzido pelo Paulo Orlando. Ao adentrar na casa fiquei deveras encantado. Sim, fiquei num estado de encantamento. Vi uma casa montada e pronta para receber sonhos, criações e realizações. 

Vi a exposição, trajetória do grupo, que recebe o visitante e estende-se pelo corredor da casa. Depois espiei cada cômodo e ouvia sobre as suas funções. E por fim o quintal e a cisterna, onde tomamos um café e palestramos.

De repente estávamos Orlângelo, Joélia, Paulo e eu, dando uma rápida arrumação no espaço onde seria realizado o encontro. Isso sob os olhares do Artur, filho do casal, que a todo o momento mostrava uma “pequena” realização: um som, uma escrita de seu nome na lousa, uma pergunta instigante vinda de uma criança de cinco anos.
Pronto! Estava alterado o slogan de Itapipoca: cidade, não dos três, mas dos seis climas: praias, serras, sertão, afeto, amizade e criatividade. Foi criada uma atmosfera dialógica, afetiva e com emoção. Enquanto conversávamos íamos compreendendo o outro e a nós mesmos. Estávamos prontos para começarmos o trabalho.

Antes, porém, ao meio-dia, fomos almoçar e saboreamos uma apetitosa comida feita pela Dona Mazé. Depois deitamos nas redes e conversamos um pouco. Era só prá descansar. Voltamos à casa.
O trabalho teve início às 14h15. Presentes: Orlângelo, Joélia, Paulo, Junior, Tamile e eu. Sentir que teria umas “facilidades”, pois o grupo é altamente criativo, performático e com uma sonoridade a flor da pele.
Começamos com um trabalho de iteração e integração do grupo. Críamos uma roda e expandimos ao ponto de nos tocarmos só com os dedos, emitindo sons dessa “dificuldade”. Depois fomos fechando a roda e, abraçados, olhando uns aos outros, brincamos com os pés de maneira lúdica.
Num segundo exercício, formamos grupo de três pessoas sentadas em cadeiras, um ao centro e os outros dois ao lado, falavam, a um sinal, ao ouvido do que estava no centro, ao mesmo tempo, dizendo qualquer coisa. Depois variamos de posições e falaram trechos da peça “O Médico Camponês e a Princesa Engasgada”.
Em um terceiro momento todos deitados no chão, relaxados, respiram bem calmos, se observando. Depois respiram mais profundamente e enviam o ar para alguma parte do corpo. A cada respiração, na expiração emitiam o som de uma vogal, depois vai brincando, emitindo a vogal, com uma parte do corpo, dedão do pé, pé, calcanhar, perna, coxa, região genital, barriga, peito, pescoço, cabeça...  Aos poucos começaram a levantar vagarosamente, continuando a expelir o ar com a vogal. 

Fizemos, posteriormente, uma rápida exposição sobre os parâmetros quantitativos e qualitativos que são resultados de pesquisas sonoras de Daniel Belquer.
                                                 Parâmetros Quantitativos
( + )

FORTE                        RÁPIDO                        AGUDO

                                       FORÇA                    VELOCIDADE                   REGIÃO

                                        FRACO                        LENTO                           GRAVE
                                                                  ( - )
* Criar ou escolher uma frase e brincar com os parâmetros quantitativos, fala normalmente e depois seleciona alguns parâmetros.
Falamos, também, sobre os parâmetros qualitativos:

                           Parâmetros Qualitativos
Simples: Ressonância - Reverberação - Pausa - Encadeamento - Contorno – Articulação - Acento - Sotaque - Ritmo - Respiração - Repetição
          
Complexos: Timbre - Textura - Intenção - Reforço - Contrastes - Complementação - Estranhamento (Variações).

Fizemos comentários sobre os exercícios e falamos, um pouco, sobre o trabalho de Daniel Belquer, paranaense radicado no Rio de Janeiro, que realiza uma extensa pesquisa acerca da utilização do som como elemento essencial na dramaturgia da cena e suas diversas possibilidades de realização.

Conversamos sobre o teatro pós-dramático, denominação formulada pelo crítico e professor de teatro alemão Hans-Thies Lehmann em sua obra Postdramatisches Theater publicada em 1999 na Alemanha.
Segundo Lehmann a cena teatral tem se caracterizado comumente em torno da interpretação de um texto pré-escrito, intangível, que objetiva os conflitos psicológicos e morais entre as personagens. Um esquema narrativo que serve mais ao cinema e a televisão que ao teatro.

Outros autores, principalmente os do teatro do absurdo e Samuel Beckett, entre outros, começam a construir uma dramaturgia fragmentária, assim como o desenvolvimento das tecnologias na cena, na segunda metade do século XX, aparecem e tentam construir uma arte total, transversal, atravessada pelas artes da imagem, do cinema, das artes plásticas, do circo.
Esta nova forma teatral não procura suscitar a adesão do espectador, mas provocar sua percepção ou emoção significativa. Os aspectos fragmentários destes textos, ou destas montagens, permeiam uma reescritura cênica que englobam os aspectos textuais, cenográficos e os problemas que são propostos por um jogo não necessariamente psicológico.

O teatro sempre foi um espelho de seu próprio tempo. No teatro pós-dramático não há mais espaço para, tão somente, o “textocentrismo” (o texto é a razão de tudo). A performance é do tempo presente, o teatro contemporâneo preza pela autoralidade. 

Esta nova forma, como compreende Lehmann, possibilita uma redefinição do status do diretor e do dramaturgo, não exigindo uma dependência recíproca ou centralizadora, possibilitando uma reconfiguração e independência recíproca dos papéis dos vários textos da cena, seja a cenografia, a dramaturgia, a direção etc.

Conversamos, ainda, sobre os conceitos da Comédia, da Farsa e do Humor. Por fim, fizemos leituras do texto com ritmos e velocidades diferentes e montamos os objetos cênico-musicais, som e luz para a apresentação.

A apresentação marcada para 20h00 começou às 20h30. Uma platéia não numerosa, mas diversificada e de alta qualidade formada por crianças, jovens, atores, professores, senhores e senhoras que, ao final do trabalho, trocou idéias com o elenco e o diretor indagando sobre o processo realizado e dando as suas impressões e considerações sobre o que tinham visto.

Foi muito bacana o dia e a noite (ela estava apenas começando). Arrumamos tudo na casa e fomos jantar. Fizemos um tour pela cidade e vimos alguns exemplares do patrimônio arquitetônico de Itapipoca. Tomamos cerveja, jogamos sinuca, conversamos com um poeta na praça dos três climas e depois... Bom, depois são outros climas...

                                                                                                Fernando Piancó
                                                                                          Ator, diretor e produtor cultural
                                                                                          Maio de 2011.


segunda-feira, 9 de maio de 2011

Matéria de Khalil Gilbran sobre a Banda Dona Zefinha e o cantor Paulo Façanha

A Música Brasileira que o Brasil Não Conhece (Parte 1)

Do Ceará: a música universal da banda Dona Zefinha e o estilo refinado do cantor e compositor Paulo Façanha

07 de Maio de 2011 às 19:32

Khalil Gibran

Khalil Gibran
Amigo leitor, hoje, inicio uma série de artigos nos quais mostrarei brasileiros que,
mesmo fora das grandes mídias, realizam um trabalho musical intenso e de altíssima
qualidade. Os textos aqui publicados contarão também com vídeos e mostrarão músicos
vindos de vários estados brasileiros, fora do eixo Rio-São Paulo.
Atualmente, o Ceará é reconhecido como um dos estados mais cosmopolitas em termos
de música. Bandas de reggae, rock, MPB, bossa, jazz e blues, de tudo existe. A noite de
Fortaleza tem sempre uma gama de opções para quem quer curtir boa música. Porém,
não é somente da capital que vem a produção musical do Ceará.
A banda Dona Zefinha é um desses exemplos. Formada na cidade de Itapipoca, em
2000, o grupo apresenta uma obra consistente e contribui de forma singular para o
desenvolvimento cultural do estado.
A banda é praticamente uma família, tendo como integrantes os irmãos Ângelo Márcio
(percussão e saxofone), Paulo Orlando (percussão e vocal) e Orlângelo Leal (marimbal,
guitarra e banjo), esse último líder do grupo. Além deles, ainda contam com Maninho
(bateria), Wagner Ferreira (baixo), Ivanildo Franco (pífano, percussão e vocal) e Joélia
Braga (percussão, vocal e figurinos), esposa de Orlângelo.
Em 2001, o grupo lançou seu primeiro álbum, “Cantos e Causos”, gravado ao vivo
no Teatro José de Alencar, em Fortaleza-CE. Rapidamente ganhou notoriedade na
imprensa local e o respeito do público. Em 2007, em meio a uma consistente agenda
de shows pelo mundo inteiro, lançaram o “Zefinha Vai à Feira”, em que demonstraram
mais maturidade e uma pluralidade notoriamente perseguida. Atualmente o grupo está
em estúdio, preparando o terceiro disco, ainda sem título, que comemorará os 10 anos
de carreira.
A performance ao vivo da Dona Zefinha é o grande diferencial dos artistas, unindo a
música aoo teatro, à arte do palhaço com uma brasilidade ímpar.
Mesmo sem gravadora, sem rádio e sem aparecer na tv, a banda tem sua agenda sempre
lotada, realizando shows por todas as partes do país, e também no exterior, como Coreia
do Sul, Alemanha, Argentina e outros.
Vale ressaltar que o trabalho do grupo não se restringe somente à música. Os meninos
também são grandes atores e mantêm uma atividade constante de teatro em suas
agendas, trabalhando como apresentadores de eventos culturais, atividade esta que já
tive o prazer de presenciar, e pude conferir o banho de talento e descontração que eles dão.
O grupo estava erradicado até bem pouco tempo em Fortaleza, porém, recentemente,
resolveu andar na contramão do sistema, em mais uma demonstração de inovação e
responsabilidade cultural. Montaram, na cidade de Itapipoca, a Casa de Teatro Dona
Zefinha, um centro de atividades culturais que servirá à comunidade e será o QG de
criação do grupo, contando com estúdio de ensaio, acervos, espaços para oficina e o que
eles chamam de hospedagem solidária, local destinado a abrigar visitantes, além de uma
vasta memória do grupo.
Diante de todas as dificuldades que um artista independente encontra no Brasil,
Orlângelo e seus companheiros têm uma grande vitória para contar: são várias famílias
vivendo de forma bastante digna exclusivamente da arte. Uma vitória conseguida com
talento, esforço, dedicação e uma fé nos sonhos que somente os grandes artistas têm.
Quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho dessa rapaziada, pode acessar os

Segue também uma fantástica performance da banda durante o Tangolomango, em
2007, Fortaleza-CE:



Outro nome que tem grande força na música cearense é o do cantor e compositor Paulo
Façanha. Tendo iniciado sua carreira cantando na noite de Fortaleza, sua cidade natal,
aos 17 anos, o artista tem hoje uma vasta obra, contando com 03 discos de carreira e
participação em 10 outros trabalhos.
Seu primeiro álbum foi lançado em 1996. Intitulado “Parto”, traz o talento e o vigor
da nova música que nascia com Paulo Façanha. Em 2000, viu sua parceria com Beto
Paiva em “Quando a Noite Chegar” se transformar em hit nacional na voz do amigo
Jorge Vercillo. Neste mesmo ano, lançou seu segundo disco, “Paulo Façanha”, com
participações especiais de Flávio Venturine e do violonista Manassés de Sousa. No seu
terceiro CD, lançado em “Vida é pra gastar”, produzido por Júnior Meirelles, ex-diretor
musical e guitarrista de Ney Matogrosso, Jorge Vercillo mais uma vez deu o ar da graça
no trabalho do parceiro e amigo. Em 2011, prepara-se para lançar “Tantos Versos”, que
vem para comemorar seus 25 anos de carreira.
Com um carisma fora do comum e um estilo próprio de cantar, compor e tocar violão,
Façanha está alçando voos maiores em sua trajetória. Recentemente, realizou um
aclamado show no Teatro Carlos Gomes, Centro/RJ, onde o artista dividiu o palco
com Jorge Vercillo. Casa cheia, público vibrante, técnicos da melhor qualidade e alta
performance. Foi essa a impressão passada em matéria na revista carioca JG News.
Logo após o evento, Façanha participou do Festival Nacional de Música de Tatuí, onde
conseguiu a quarta colocação, uma vitória significativa para a música do nordeste, já
que foi o único representante da região na final. O Festival teve 467 músicas inscritas.
O Brasil começa a conhecer agora um artista que há muito tempo os cearenses
aprenderam a admirar e gostar: Paulo Façanha, que de mansinho, com passos firmes,
fez a sua base em Fortaleza e hoje é considerado um dos mais completos intérpretes da
nova música feita no Ceará.
Para fechar seu currículo, vale salientar que Paulinho, como é conhecido entre os
amigos, teve ainda participação hiper especial no disco de um dos monstros sagrados da
música popular brasileira: Raimundo Fagner. Com Fagner e Jorge Vercillo dividiu os
vocais na faixa “É fácil de entender”, do disco “Fortaleza”.

Para quem quiser conhecer melhor o trabalho de Paulo Façanha é só acessar o site:

Chá de Idéias

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Coluna do Jornalista e escritor Flávio Paiva no Diário do Nordeste sobre a Casa de Teatro Dona Zefinha







Dona Zefinha de Itapipoca
Teve trovão e relâmpago antes da hora de começar o evento de inauguração da Casa de Teatro Dona Zefinha, na noite do sábado passado (30/04) em Itapipoca. A chuva fez todo mundo andar com calma pelas ruas cheias de água corrente. Dos postes as luzes se lançavam ao aguaceiro em um refrescante farfalhar de brilho e negrume. Mas, como se estivesse tudo combinado, as nuvens deram uma trégua bem na hora da festa.

Quem, como eu e a minha família, chegava ao bairro do Jenipapo pelo calçamento da rua Francisco dos Santos Braga, via logo uma tabuleta que identificava na casa verde de número 321 a novidade cultural da cidade. Na parede da sala, uma galeria de cartazes de shows da banda, realizados no Ceará, no Brasil e em vários países do mundo. Tudo muito simpático, muito caprichado e consistente.

No segundo compartimento, uma luz amarela destacava na parece verde uma compilação de páginas de jornais, com matérias de cobertura dos feitos e efeitos do grupo, onde se lia em letras vazadas na tarja ao centro: "Dona Zefinha - 20 anos de teatro, música e outras invenções (1991 - 2011)". Logo ao lado, uma luminária de boneco gigante, um estandarte com a programação das atividades do mês e o início da exposição fotográfica com a trajetória da companhia resumida em dez espetáculos montados nessas duas décadas.

Um texto do ator e diretor teatral Fernando Piancó sintetiza o clique dos fotógrafos: "(...) No começo eram apresentações de teatro de rua, onde os folguedos eram a tônica dominante do grupo. Por desejo e necessidade do próprio trabalho, os componentes da Trupe Metamorfose começaram a pesquisar, estudar e experimentar instrumentos populares como a rabeca, a zabumba, o pandeiro, os pífanos, entre outros. Daí criaram a Dona Zefinha, que além de performance cênica no palco, produz uma bela fusão de sons e ritmos... com letras inteligentes, narrativas instigantes".

A Casa é uma casa típica do interior: sala de chegada, quarto da frente, sala de estar, corredor comprido, ladeando quartos, e cozinha. No primeiro quarto está sendo montado o estúdio de ensaios com revestimento acústico e, ao lado, fica o alpendre, que passou a fazer as vezes de auditório. A decoração de interior, feita pela Joélia Braga, traduz em leve e aconchegante relação estética e funcional o espírito da Casa. De uma lado do corredor, a sequência de imagens, do outro, arranjos de máscaras e lâmpadas. E no teto, uma estampada chita em cores vivas da cultura popular.

Além da sala de música (estúdio), pode-se ver porta a porta o ateliê de criação e restauro de figurinos e adereços, espaços de pesquisa, produção e um quarto com beliche e cama para o que eles chamam de hospedagem solidária. Esse cantinho para alojar visitantes, pesquisadores, parceiros e convidados para participar das atividades da Casa de Teatro Dona Zefinha é bem característico do estado de cumplicidade com que o grupo, liderado pelo multiartista Orlângelo Leal, pretende conduzir seu engenho de invenções musicais e cênicas.

Na área da cozinha, um projetor mostrava fotos e vídeos dos espetáculos da banda, sob a vigília da estatueta do Padre Cícero em cima da geladeira. Fiquei muito contente de ver artisticamente grafitada na parede final uma frase minha, retirada do encarte do CD "Zefinha vai à feira" (2007): "O que existe em certas coisas que mexem com a gente? Por que contemplamos algumas e por que viramos o rosto para outras? Somos as nossas interrogações". Parei para pensar novamente sobre isso, a partir do que estava sentindo naquele momento festivo.

O que a fixação da Dona Zefinha naquele espaço pode significar como testemunho da universalidade do trabalho do grupo? Quanto de recuperação do tecido social comunitário pode ser atribuído a um projeto como esse? Como essa decisão do grupo de plasmar a vida entre a beleza e as necessidades cotidianas será observada pelo povo de Itapipoca? Até onde os parâmetros sociais, ainda sob forte efeito da massificação, abrem espaço para o desenvolvimento da arte como expressão da subjetivação das pessoas e dos conceitos? Estará nesse tipo de projeto alguma perspectiva de caminho para a subjetividade como condição essencial ao viver autônomo, integrado e criativo?

A Casa da Dona Zefinha integra um sistema de referências de motivações, atividades e comportamento, que pode estar sendo fomentado pela viabilidade financeira proporcionada pelo Edital de Incentivo as Artes, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult). Com meios para o diálogo entre conhecimento e prática, com usos em forma de compartilhamento do pensar e do agir e com linguagens cênicas e musicais seu funcionamento certamente se converterá em uma sempre renovada produção de conteúdos e de aproximação dos elos culturais existentes à medida que cria uma zona de iluminação de gente com rosto, com valor e com direito à cultura.

Em sua disposição reconstrutiva da vida orgânica, a Dona Zefinha mostra seu jeito agregador de interferência no cotidiano estendendo seu equipamento de invenção cultural a parcerias com outros grupos e iniciativas. De saída, essa troca está acontecendo com a Orquestra Unisol, regida pelo trompetista e violinista Samuel Furtado, com a companhia de dança Balé Baião, com o Núcleo de Artes Cênicas (Nace) da Facedi/Uece e com a Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga (Agua).

Uma característica, que é ao mesmo tempo atributo e virtude na Dona Zefinha, é o fato de ela ser formada a partir de um grupo familiar coeso, talentoso e animado. O Orlângelo, o Ângelo Márcio e o Paulo Orlando são irmãos e a Joélia é casada com o Orlângelo. Mas a força afetuosa dessa característica envolve e compromete os pais, as mães, os tios e as tias deles, sem contar com os irmãos colaços, integrantes diretos e indiretos da trupe e da banda. É uma maravilha. Na montagem da Casa e para a festa de inauguração eles contaram com as habilidades e o empenho da Angelita, Gilberto, Luciano Cacau, Maninho, Mazé, Olga, Orlando Cacheado, Samuel, Tamily, Thais e Vanildo. Isso desde o serviço de carpintaria até a preparação dos comes e bebes.

A atração da noite de inauguração foi o "Jazzeira Trio", formado por Wagner Ferreira (baixo), Marcelino Ferreira (guitarra) e Rafael Teixeira (bateria), todos ex-alunos da escola de música de Guaramiranga. Eles foram os primeiros hóspedes da estalagem solidária da Casa de Teatro Dona Zefinha. E como é regra da Casa para quem for se hospedar por lá, na parte da manhã eles ofereceram à comunidade uma oficina de "improvisação e prática de conjunto", cujos participantes tiveram a oportunidade de fazer dobradinha com a Jazzeira em uma das músicas executadas à noite no alpendre.

O evento foi transmitido em tempo real pela internet. Francisco Constantino, monitor do Centro de Informática da Escola de Comunicação da Serra (Projeto Ecos), cuidou de colocar tudo no ar, mas também compartilhou, com os itapipoquenses que desejaram, um pouco do seu conhecimento de manipulação de softwares de áudio e vídeo e sobre montagem de equipamentos de transmissão.

Com suas atividades de ensaios e de produção comercial acessíveis à vida comunitária e com programações voltadas para a troca de ideias e leituras dramáticas, a Casa de Teatro da Dona Zefinha inverte a lógica das objetivações, que costumam tomar o outro como objeto. Que o digam as crianças que ficaram com a Gisa, mulher do Márcio, contando divertidas histórias no chão da sala. flaviopaiva@fortalnet.com.br